Impossibilidade de fazer shows ao vivo, dificuldades para gravação e falta de recursos são alguns problemas encontrados pelos artistas
De acordo com um estudo feito em 2017 pelo economista Alan Krueger, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, três quartos das rendas dos artistas vem de apresentações em shows e festivais. Levando isso em consideração, não é surpresa que praticamente todo o setor esteja se mobilizando para minimizar que o golpe trazido pelo fechamento de casas de show, pubs e o cancelamento de festivais trouxe para a indústria, e isso se aplica aos músicos independentes, que sofreram um baque com a atual situação.
O artista Geoff Tyson, de Praga, na Itália, vive da música de maneira independente há 30 anos, fazendo shows e trabalhos de produção musical. Com a pandemia, não apenas a situação econômica do artista ficou mais complicada, como sua força criativa também. "[Eu estou] sem apresentações ao vivo. Recibos antigos também não estão sendo pagos. Clientes para gravação estão escassos, já que eles não têm o dinheiro ou estão adiando suas estratégias de produção. Então, sem uma renda física, é difícil encontrar a força mental para se manter criativo". De acordo com Tyson, sua agenda estava preenchida dos dias 11 de março à primeiro de agosto, com um show por dia programado. Após a epidemia, todos foram cancelados.
Tyson em um show em Cernosice, em 2010. / Foto: Facebook
Will Marshall, do projeto Noise, vivia em Nova Iorque, região onde o Covid-19 atingiu com maior potência. Após isso, ele teve de retornar para a Nova Zelândia, sua terra natal, para escapar da pandemia. "Coloquei todas as minhas coisas, incluindo meu estúdio, em um depósito e saí do país. Por enquanto está muito tranquilo, mas não podemos ficar aqui por muito tempo, não há trabalho com música aqui."
Will ganha a vida ensinando música em escolas e de forma particular, assim como com consultorias acústicas, e sua situação também piorou com o tempo: "Eu estou gravando algumas vídeo-aulas, mas isso é complicado, já que normalmente eu teria uma equipe de filmagem. Ensinar on-line é possível, mas não funciona bem via chat etc. Para fazer esse tipo de coisa funcionar, você precisa planejar um curso inteiro online, e ter professores e tutores dispostos a ajudar."
Apesar disso, a pandemia tem tido uma consequência positiva para algumas pessoas, como Drew K, de West Chester, que está aproveitando o tempo para desenvolver seu recém-formado projeto chamado Blurry Days: "Criativamente falando, está sendo bom. Eu tenho mais tempo pra terminar minhas músicas e organizar as coisas. Também tenho tempo pra organizar meus arquivos e colocar meu computador e armazenamento em ordem."
Artistas globais praticam ativismo via livestreams na crise
A alternativa encontrada por vários nomes presentes no meio musical foi a das lives: apresentações "ao vivo" transmitidas via web simultaneamente para todo o mundo. Enquanto essa tendência começou como mero entretenimento, hoje, cerca de dois meses e meio após o início da pandemia, isso se tornou um negócio em si.
No dia 18 de abril, a artista Lady Gaga, em parceria com a OMS, realizou de forma on-line o festival beneficente "One World: Together At Home", que contou com a presença de artistas como Taylor Swift, Rolling Stones, John Legend, Chris Martin, Jennifer Lopez, Paul McCartney e Stevie Wonder, para citar apenas alguns nomes. O evento, além de contar com uma "pré-live" de seis horas transmitida pelo Youtube, também foi televisionado ao redor do mundo, inclusive no Brasil pela rede Globo, e, ao todo, arrecadou cerca de 127 milhões de dólares.
No Brasil, as lives também têm sido um sucesso imenso, principalmente no meio de cantores sertanejos. O artista Gusttavo Lima realizou uma transmissão que bateu o recorde estabelecido até então de visualizações, com 750 milhões de pessoas assistindo em simultâneo ao artista. Após isso, a honra ficaria com a dupla Jorge & Mateus, que reuniu 3,2 milhões de espectadores ao vivo e, enfim, com a cantora Marília Mendonça, com 3,3 milhões.
Um ponto a se mencionar quando se fala dessas lives é a presença forte de patrocinadores, que investem pesado para que os artistas exibam e falem bem de seus produtos na pausa entre uma música e outra. Antes da pandemia do Covid-19, raramente esse tipo de investimento era feito.
Na opinião de Julies Mazarini, artista e dono da agência de imprensa Music Press, o investimento das lives é um resultado de uma necessidade de readaptação, e que o seu sucesso se dá, em suas palavras, pelo “famoso ‘é o que temos pra hoje’ ”. O assessor não acha que as lives vão conseguir substituir os shows ao vivo, por vários exemplos, alguns deles sendo a disputa por espaço na internet, e o fato das lives serem basicamente o mesmo conteúdo dos shows ao vivo.
Apesar disso, ele não descarta totalmente a ideia das transmissões ao vivo: “Descobriu-se um case de sucesso, isso vai abrir uma nova porta para a indústria como um todo. Basicamente a indústria do mundo todo está precisando se reinventar, e isso abriu um nicho muito interessante.”, diz Mazarini.
Por Mateus de Carvalho Murozaki
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