Líderes mundiais se reúnem em Cúpula do Clima e debatem acordos visando melhorias; evento foi uma preparação para a COP 26 que acontece em novembro
Por: Adriana Victorino, Alexandre Muniz, Caroline Mishitokukado, Eliwelton Lima, Melissa Arcanjo e Renan Liskai
A Cúpula do Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no primeiro semestre, envolveu 40 nações de diversos continentes. O objetivo era debater as questões relacionadas às mudanças climáticas e o Acordo de Paris, sendo uma preparação para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), prevista para acontecer no mês de novembro de 2021. Entre os assuntos, o destaque foi a redução das emissões dos gases de efeito estufa. Em meio aos debates sobre a crise climática, existem opositores ao tema.
A partir de 1760, com a revolução industrial, a relação entre os seres humanos e a natureza mudou drasticamente. The Center for Climate and Energy Solutions (C2ES), organização independente que trabalha em prol de soluções para as mudanças climáticas, apontou o crescimento global das emissões de C02. Entre 1850 e 2020 a produção saltou de 0 a 35 milhões de toneladas métricas de carbono. A associação entre capitalismo e meio ambiente provocou impactos destrutivos na medida em que a ambição pela obtenção de lucro elevou a utilização dos recursos naturais de maneira insustentável.
Global Carbon Dioxide Emissions, 1850–2040
De acordo com o C2ES, foram registrados os principais emissores de gases de efeito estufa de 1990 com projeções até 2030. Segundo país mais poluente do mundo, atrás apenas da China, os Estados Unidos buscam reverter seu posicionamento com relação ao meio ambiente, adotado pelo ex-presidente Donald Trump. Como incentivo a outros países, Biden se comprometeu a reduzir as emissões dos gases de 50% a 52% até 2030, durante a Cúpula do Clima.
Declínio de Lake Powell, Estados Unidos
A cientista política Eduarda Zoghbi, mestranda em administração pública com foco em energia e meio ambiente, na Universidade Columbia, explica que embora o foco esteja sempre relacionado ao CO2, existem outros gases ainda mais perigosos que não são abordados. “Certamente o metano é mais perigoso que o CO2, ele fica por menos tempo na atmosfera. Você pega dados da NASA para identificar onde estão essas emissões, e o metano aparece ali, uma mancha, mas ele sai, enquanto o CO2 fica por mais tempo. Então, a gente consegue identificar de onde veio e como veio. E um outro gás que vem sido falado bastante também são os HFCs, que são os gases que vem de refrigeração, então de ar-condicionados, geladeiras.”
Segundo The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), órgão das Nações Unidas que avalia as ciências relacionadas às mudanças climáticas, para evitar desastres naturais causados por essas mudanças, seria necessário manter o aquecimento global no limite de 1,5°C, objetivo que só pode ser conquistado se baixarmos em 50% as emissões de gases de efeito estufa até 2030.
Para Eduarda, a meta não é utópica, mas exige mudanças políticas e de incentivos o quanto antes.
“A International Energy Agency (IEA) lançou um relatório falando que nossas metas de redução na temperatura são possíveis, mas que existe um custo de todos os países mudarem a forma como eles estão gerindo as questões sobre mudanças climáticas”.
Como exemplo, a cientista cita os Estados Unidos, que são uma potência importante na geopolítica mundial e, com a nova gestão, voltou ao Acordo de Paris e tem capacidade de influenciar outras nações a participar desses acordos e ações como a COP26. “Os EUA podem criar embargos, e já que está muito ligado ao comércio essa questão, deveria começar a embargar economicamente países que não estão seguindo protocolos internacionais do clima, por exemplo: Brasil está desmatando a Amazônia com essa rapidez, então a gente vai colocar sanções sobre esse país."
De acordo com a especialista, a América Latina possui abundância de recursos hídricos, o que coloca os países em posições confortáveis. “Hoje, nossa matriz elétrica consome apenas 2% de carvão, enquanto na China esse valor é 75%. A Índia também é um país que está baseando o seu desenvolvimento econômico da produção nacional em carvão, isso não pode acontecer. Se quiser chegar a essa meta de 1.5Cº, a primeira coisa que esses países têm que fazer pra ontem é parar de investir em carvão.”
Ações sustentáveis
Maior consumidor de carvão mineral como fonte energética, a China se comprometeu a reduzir o consumo de carvão entre 2021 e 2025 e acabar com essa fonte de energia até 2030. Durante a reunião da Cúpula, o presidente da China, Xi Jinping, declarou que o país “se comprometeu a antecipar o pico do carbono para a neutralidade em um tempo muito mais curto do que os países desenvolvidos levaram, e isso exige esforços extraordinariamente difíceis do país".
Ações conjuntas entre organizações ambientais, ativistas e cidadãos têm a capacidade de promover mudanças consideráveis a respeito do meio ambiente. Em maio, uma decisão histórica abriu precedentes contra empresas poluidoras. O Tribunal Distrital de Haia, na Holanda, ordenou que a petroleira Shell reduzisse, até o ano de 2030, suas emissões de carbono em 45%, com base nos níveis de 2019, após organizações e 17 mil cidadãos entrarem com uma ação contra o grupo Shell para que houvesse cortes de emissões conforme metas estabelecidas no Acordo Climático de Paris.
Embora discursos e debates climáticos por vezes pareçam distantes no que diz respeito a termos técnicos e compreensão teórica sobre o tema, já é possível sentir seus efeitos práticos. Os refugiados ambientais apresentam a realidade do êxodo gerado por catástrofes naturais e desastres ambientais causados pelas mudanças climáticas.
Sobre isso, Eduarda explica que em diversas regiões do mundo já é possível identificar pessoas migrando devido à inabitabilidade de onde vivem. “Basta olharmos para Fiji, onde o nível do mar tem aumentado, afetando a produção local. São países que dependem muito de importação e produção alimentar local, então para eles fica mais caro comprar comida. Falando das mulheres, especialmente em países africanos, onde elas são responsáveis por cuidar da casa e têm de caminhar longas distâncias para poder conseguir água ou então pegar madeira ou pedaços de carvão para poder cozinhar.”
O tradutor Erasto Santos mora na cidade de Zhuhai, província de Guangdong, na China. Para ele, as mudanças climáticas são um desrespeito do ser humano e precisam ser resolvidas com urgência. O brasileiro vive no país há quatro anos, é asmático e sente maior sensibilidade à poluição do ar.
Embora a China seja vista como um dos maiores poluidores do mundo, Santos garante que o país contribui para reverter o cenário. “A primeira vez que morei na China foi no ano de 2011. Morei durante um ano na cidade de Xi'An. Na época, o céu dessa cidade era sempre cinza devido à quantidade de fábricas de carvão estabelecidas lá. Ar pesado, com partículas de fuligem. Outras cidades tinham a mesma situação. Mas assim que retornei, há quatro anos, percebi uma diferença gigantesca.”
Inundações no Nordeste da China
De acordo com Erasto, o país criou medidas de desenvolvimento ambiental e passou a aplicar leis rígidas em favor do meio ambiente, o que resultou no fechamento de diversas indústrias inadequadas ao plano verde, além do reflorestamento em áreas devastadas.
“A China passou a dar mais prioridade às áreas verdes. Então, sempre que se constrói um novo conjunto habitacional, por exemplo, essa parte do verde é bem valorizada. Algumas cidades já se recuperaram da poluição extrema”, afirma o tradutor.
A profissional de limpeza Marlene Rodrigues é brasileira e mora nos Estados Unidos há nove anos. Para ela, já é possível sentir as mudanças no clima. “No verão do ano passado, o clima foi muito mais quente e menos chuvoso. Com uma sensação de poluição mais forte. No outono, que é a estação mais bonita daqui, os ventos foram mais fortes e derrubaram as folhas das árvores mais cedo, dando uma sensação mais rápida de que o frio estava chegando mais cedo. Neste inverno, a neve foi mais forte do que a dos últimos dois anos”, conta a profissional.
Marlene acredita que as mudanças climáticas têm seu “desenvolvimento natural”, mas que o desenvolvimento urbano e os interesses de poder afetam os percursos do clima.
Negacionismo
Manifestações contrárias ao aquecimento global e à influência humana sobre as mudanças climáticas tentam enfraquecer o consenso científico sobre o tema. Em 2019, uma “carta aberta” enviada ao ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, assinada por diversas figuras do negacionismo, entre elas Ricardo Felício e Luiz Carlos Baldicero Molion, reacendeu os debates sobre o clima. No documento, evidências físicas da influência humana nas mudanças climáticas são rejeitadas.
Entretanto, o número de céticos é pequeno. O Instituto de Pesquisa Datafolha entrevistou, em 2019, 2086 pessoas em todo o país. De acordo com a análise, 85% da população brasileira acredita que o país está aquecendo enquanto apenas 15% discorda. Com relação à contribuição humana para o aquecimento, os números divergem, 72% concordam com a responsabilidade humana sobre as mudanças climáticas e 18% não entendem que a atividade humana interfira.
Para Eduarda, os discursos negacionistas têm pouco impacto atualmente. “As mudanças climáticas vêm sendo percebidas pelos cientistas desde a década de 1970, só que demorou muito para o mundo ver isso como um problema. Existem negacionistas, mas eles são em número muito reduzido em comparação a quantidade de pessoas que acreditam e que querem lutar por essa causa.”
A cientista política ainda comenta sobre o negacionismo por parte dos governantes e afirma que a pressão do mercado obrigará as gestões políticas a adotar medidas sustentáveis. “Isso é uma pressão do mercado externo. Os países, as grandes empresas não estão mais investindo em países que não têm regras claras para poder conservar o meio ambiente. Então eu não sei de onde países negacionistas vão conseguir recursos para combater as mudanças climáticas, que são temas transversais. Estamos falando de uma perda econômica muito grande. Então os governos, os países que preferirem não fazer parte dessa discussão vão estar perdendo.”
Consequências
O site Global Climate Change da NASA permite acompanhar o impacto das mudanças climáticas em algumas regiões do mundo de maneira detalhada por meio de uma plataforma interativa que mostra o antes e o depois.
Avalanche de gelo na cordilheira de Aru, no Tibete
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