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O amor liberta ou condena? A realidade de pessoas LGBT+ ao redor do mundo

Oriente Médio e África aparecem como as principais regiões de violação dos direitos, enquanto América do Sul, Europa e Ásia apresentam cenário mais inclusivo


Por: Laura Arcanjo e Miguel Trombini


Parada do Orgulho LGBT+ em Nova Iorque, nos Estados Unidos, em julho de 2019. Foto: Bryan Kyed

A situação das pessoas LGBT+ é muito diferente entre os países, e vai desde que os que protegem mais, e incluem em suas constituições a proibição de discriminar por orientação sexual, aos que estabelecem pena de morte contra quem mantém relações sexuais com pessoas do mesmo sexo.


De acordo com o mapa de Leis de Orientação Sexual no Mundo de dezembro de 2020, divulgado pela ILGA (Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bisseixuais, Trans e Intersexo), a Arábia Saudita está entre os países que criminalizam relações homoafetivas, incluindo pena de morte.


A última pesquisa mundial sobre as leis de orientação sexual realizada pelo órgão no ano passado, revela que o país utiliza o Alcorão e fontes auxiliares (Hadith) para reger as suas leis. De acordo com a Lei de Procedimentos Criminais (2001), os tribunais aplicam a lei Sharia (quase não existem leis codificadas, e os ulama, estudiosos religiosos ortodoxos, desempenham um papel fundamental na interpretação e aplicação das penas), derivada do Alcorão e da Sunna.


A advogada Katia Meira, conselheira, delegada e presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ressalta que “em alguns países, principalmente na região da Ásia e da África, a marginalização dos LGBTs está muito ligada a questões religiosas, mas já está muito claro que todos têm o mesmo direito perante a lei”. Segundo a especialista, o embasamento religioso não justifica que essa população seja colocada em uma posição vulnerável.


Ainda de acordo com a pesquisa, em 2020, mecanismos das Nações Unidas reiteraram a preocupação com relação à pena de morte na Arábia Saudita e lembraram que o Estado tem a obrigação de “agir com a devida diligência para prevenir, investigar, punir e reparar a privação de vida e outros atos de violência [...] dirigidos contra LGBT e pessoas intersex”. Além disso, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) pontuou que as leis que penalizam relações sexuais homoafetivas consensuais são contra os padrões e normas internacionais dos direitos humanos.


Sobre o papel da ONU em cenários como esse, Katia Meira explica que o órgão “tem a capacidade de fazer alguns tipos de intervenções, mas não pode entrar nas questões religiosas de um país, então as nações mais isoladas, que criam as suas leis em cima de posicionamentos religiosos, acabam tendo medidas violentas direcionadas à população LGBT”.


Um relatório da Human Rights Watch de julho de 2020 relata o caso de Mohamad al-Bokari, um iemenita que vivia em Riad (capital da Arábia Saudita) e foi condenado a 10 meses de prisão e multa de dez mil rias sauditas (quase R$ 15 mil). Ele foi deportado para o Iêmen por postar um vídeo nas redes sociais no qual pedia por direitos iguais, incluindo a população gay. Mohamed não teve sequer acesso a um advogado durante o julgamento.


De acordo com o relatório, uma fonte afirmou à Human Rights Watch que, após a sentença, al-Bokari foi devolvido a uma cela compartilhada na qual outros prisioneiros o atacaram verbalmente, chamando-o de “adorador do diabo” e alegando que ele “merece pena de morte”.


No mapa da ILGA, a Malásia também está entre os países que criminalizam relações homoafetivas, conferindo pena de 10 anos a prisão perpétua, e a pesquisa mundial sobre as leis de orientação sexual realizada pelo órgão no ano passado aponta alguns aspectos legislativos do país que se opõem às políticas de equidade que são fundamentais para garantir o espaço e a segurança da população LGBTQ+.


Nos artigos 377, 377A e 377B do Código Penal, relações homoafetivas são consideradas uma “relação sexual não natural”, passível de punição com prisão de até 20 anos e/ou chicotadas, e já houve casos em que pessoas suspeitas de serem gays ou lésbicas receberam esse castigo corporal em público.



A Síria integra os países que criminalizam relações homoafetivas, de acordo com o mapa da ILGA, conferindo pena de até oito anos de prisão e restrição de liberdade de expressão relacionada a questões LGBTQ+. A última pesquisa mundial sobre as leis de orientação sexual realizada pelo órgão no ano passado, diz que o artigo 520 do Código Penal do país criminaliza “relações sexuais contra natura” (relações sexuais homoafetivas), com possibilidade de prisão até três anos.


Katia Meira esclarece que a situação é bem mais complicada em países que não possuem democracia, “pois sem ela o povo não tem o direito de reivindicar as suas pautas, e se fizerem isso serão perseguidos”. Ademais, em um comunicado para a UPR (Revisão Periódica das Nações Unidas) de 2016, constatou-se que “as pessoas identificadas como LGBT são perseguidas [...] por lei por meio de monitoramento de segurança e detenção, onde muitos homens foram espancados, torturados e estuprados - individualmente e em grupos - nos postos de controle por causa de sua orientação sexual”.


Aparentemente, essa tendência não diminuiu, já que autoridades continuaram perseguindo e assediando sexualmente pessoas LGBT até 2020. Um relatório da Human Rights Watch de julho do ano passado diz que, desde o início do conflito sírio em 2011, homens, meninos e mulheres trans são vítimas de estupro e outras formas de violência sexual pelo governo e grupos armados não estatais, incluindo o Estado Islâmico.


Pessoas heterossexuais também estão expostas a esses abusos, mas homens gays e bissexuais e mulheres trans se mostram bem mais vulneráveis. Sobreviventes dos abusos sexuais relataram à Human Rights Watch que não buscaram serviços médicos ou de saúde mental na Síria por diversas razões, entre elas vergonha, medo e falta de confiança no sistema de saúde. O relatório diz ainda que “em um contexto de vergonha, estigma e silêncio em torno da violência sexual contra homens e meninos - qualquer que seja sua orientação sexual - e também para mulheres trans e pessoas não binárias, reconhecer tal violência é um pré-requisito para fornecer serviços e cuidados adequados”.



Avanços X realidade


Em contrapartida, o Japão atualmente conta com proteção limitada contra a discriminação com base na orientação sexual, de acordo com o relatório “Homofobia do Estado”, desenvolvido pela Associação Internacional de Gays e Lésbicas (International Lesbian & Gay Association, ILGA) e divulgado em dezembro de 2020.


Em março deste ano, o tribunal de primeira instância da cidade de Sapporo decidiu que a não permissão de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo é inconstitucional, sendo a primeira vez que uma corte se pronuncia sobre o tema. Apesar da homossexualidade ter sido legalizada no país em 1880, o Japão é o único do grupo dos sete países mais industrializados (G7) que não reconhece o casamento homossexual. Na região asiática, apenas Taiwan legitimou o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo até agora.


Dois distritos de Tóquio, capital do Japão, permitiram, a partir de 2015, que casais do mesmo sexo tenham um “certificado de parceria”, que concedem direitos iguais aos dos casais heterossexuais. Com isso, outros municípios vêm aprovando decretos considerados “não oficiais” para reconhecer as relações entre pessoas do mesmo sexo.


Em 2018, a deputada Mio Sugita questionou o uso do dinheiro público do Japão em causas LGBT+, o que inclui o casamento, alegando que casais do mesmo sexo “não produzem filhos” e, com isso, “eles não têm produtividade e não contribuem para a prosperidade da nação”. No mesmo ano, o legislador Tomu Tanigawa se opôs à legalização do casamento LGBT+. Para ele, “um homem e uma mulher se casam e têm filhos e é assim que uma família tradicional é formada”. “Os humanos têm feito isso desde a antiguidade para evitar que as nações caiam em declínio e ruína”, justifica.


Vívian Mayumi. Foto: Arquivo pessoal

A região de Mie, no Japão, aprovou uma lei no ano passado que considera ilegal o ato de revelar a orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa sem o consentimento da mesma. No Japão, o ato de “sair do armário” a força tem consequências graves, em que muitos indivíduos podem ser rejeitados pelas famílias ou até mesmo encontrar dificuldades para manter ou encontrar empregos quando sua sexualidade é revelada. “É muito pouco provável você sofrer alguma violência física por ser LGBTQIA+ aqui, e também é raro ouvir ofensas, mas percebe-se um sutil desprezo e uma leve exclusão. As pessoas normalmente não se assumem publicamente”, relata Vívian Mayumi, brasileira que mora no Japão desde 2018.

Além disso, Vivian também comenta sobre sua experiência como uma mulher bissexual no país: “Já é bem difícil os japoneses falarem sobre seus relacionamentos ou demonstrarem afeto em público entre casais hétero-cis, então as questões LGBTQIA+ nem são comentadas. Quando eu me assumi para meus colegas de trabalho, eles não deram continuidade ao assunto, apenas falaram sobre outra coisa”.


O primeiro país da América Latina e o décimo no mundo a permitir casamentos entre pessoas do mesmo sexo, a Argentina, é também considerado como de proteção limitada contra a discriminação com base na orientação sexual. Isso significa que não existem leis federais contra a violência, mas podem haver leis estatais ou locais, como no caso da legislação protetora presente em Buenos Aires, na província de Rio Negro e na cidade de Rosário.


Aprovada em 2010 após uma discussão intensa, com duração de 14 horas, entre a igreja católica, membros da comunidade LGBT+ e o Senado, a união legal entre pessoas do mesmo sexo contou com 33 votos a favor, 27 contra e três abstenções. Dois anos depois, o governo passou a permitir que estrangeiros também pudessem se casar no país.


Em 2018, o governo da província de Santa Fé, na Argentina, fez um pedido público de desculpas a pessoas da comunidade LGBT, muitas delas transgêneros, que foram perseguidas durante a ditadura militar, entre 1976 e 1983. O país tem adotado medidas, ao longo do período democrático, para avançar nos direitos LGBT+ e é um dos poucos a permitir, desde 2012, que pessoas mudem seu gênero em documentos oficiais de identificação.


Francesca Vali, mulher bissexual e artista que mora na cidade de Buenos Aires, reconhece que a Argentina vem trabalhando a questão da visibilidade trans e apostando na tentativa de normalizar uma linguagem inclusiva, graças a forte presença do ativismo LGBT+.


Francesca Valli. Foto: Arquivo pessoal

Para ela, o peso da Igreja sobre o Estado impacta no avanço desses assuntos. “A Argentina não tem a Igreja e o Estado separados, o que faz com que tradições ultrapassadas e que foram pensadas apenas para uma parcela específica da sociedade continuem em vigor. No sentido social, há cidadãos que, por se encaixarem em padrões da sociedade, não têm interesse em aprender sobre esse tema”.


Mesmo assim, Francesca reconhece a importância da militância a favor da resistência da população LGBT+ e pontua que “cada vitória do movimento é como um grão de areia para o mundo, mas mais uma razão para lutar para quem faz parte da comunidade, pois nunca foi fácil conquistar os (nossos) direitos”.


Já a Espanha é um dos 57 países com proteção ampla contra a discriminação com base na orientação sexual e possui reconhecimento legal dos laços familiares, o que inclui casamento ou outras formas de união e adoção aberta para casais do mesmo sexo, segundo o relatório “Homofobia do Estado”, desenvolvido pela Associação Internacional de Gays e Lésbicas (International Lesbian & Gay Association, ILGA) e divulgado em dezembro de 2020.


Em 2005, foi considerado o terceiro país do mundo a reconhecer o direito de matrimônio de casais homossexuais, ficando atrás de Holanda e Bélgica, e o primeiro a igualar os direitos conjugais para casais homossexuais e heterossexuais, com a possibilidade de adoção.


Eider Alberdi vive com a namorada Nazareth Alba Gonzalez na Espanha e afirma não ter medo de expressar sua orientação sexual no país, mesmo existindo um receio de ser olhada com maldade ou através de uma impressão negativa pelas pessoas. A partir de sua experiência, Eider explica que a aceitação da população LGBT+ também está relacionada a idade. “Muitos cidadãos mais velhos não aceitam, por exemplo. Então, existe sim a discriminação das pessoas LGBT+ na Espanha, mas, comparando com outros países, é um cenário muito reduzido”.


ESPANHA: Eider Alberdi, à esquerda, e a namorada Nazareth Alba Gonzalez, à direita. Foto: Arquivo pessoal

Mas, nem sempre a Espanha lidou bem com as questões LGBT+. Em 1970, o país aprovou a Lei de Perigo e Reabilitação Social, que era usada na repressão da homossexualidade e transexualidade durante a ditadura de Franco. A primeira manifestação do Orgulho LGBT+ no país ocorreu em 1977, em Barcelona, justamente contra essa determinação.


Felipe Augusto é um homem gay brasileiro, que atualmente mora na Espanha, e relata as diferenças de tratamento quando mudou de país: “Onde eu moro agora não existe essa questão de ter medo de se expressar, diferentemente do Brasil, onde temos que pensar sobre a roupa que vestimos antes de sair na rua, o que falar, como se portar nos lugares ou até mesmo frente às pessoas”. “Basicamente, não podemos ser nós mesmos”, esclarece.


Felipe Augusto. Foto: Arquivo pessoal

Quando o atual presidente da Espanha, Pedro Sánchez, assumiu o governo em 2018, o país teve, pela primeira vez, um ministro assumidamente gay. O juiz Fernando Grande-Marlaska, Ministro do Interior, casou-se com o companheiro Gorka em 2005 e, um ano depois, confirmou publicamente a sua orientação sexual. Desde então, adotou o papel de defensor público dos direitos LGBT. Para Felipe Augusto, esse cenário é de extrema importância na integração da sociedade com a causa. “Existe representatividade da comunidade LGBT+ na Espanha e várias figuras públicas, e até mesmo a população civil, fazem um trabalho muito bonito para que tenhamos apoio e mais visibilidade”.


A Suécia, por sua vez, possui proteção constitucional contra a discriminação com base na orientação sexual e foi o primeiro país do mundo a permitir a cirurgia de redesignação sexual, em 1972. A partir de 2005, casais lésbicos passaram a ter direito à inseminação artificial na nação. Hoje, o país conta com reconhecimento legal dos laços familiares, o que inclui casamento ou outras formas de união e adoção aberta para casais do mesmo sexo.


A homofobia é criminalizada e há um órgão governamental que trabalha contra todos os tipos de preconceito e pode ser contatado pelas vítimas de discriminação, chamado Diskrimineringsombudsmannen (DO). Além disso, no site oficial do país, existe uma página dedicada às pessoas LGBT+.


A Igreja protestante e luterana da Suécia passou a reconhecer e permitir a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo dentro de instituições religiosas, após uma votação interna em 2009.

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