Superliga no futebol europeu: Esporte x Dinheiro
- Jornaleiros Sem Fronteiras
- 11 de jun. de 2021
- 7 min de leitura
A polêmica criação do torneio que gerou revolta, manifestações, desafiou a Uefa e também levou desconfiança acerca do futuro do futebol
Por: Renan Gabriel, Felipe Pitas, Matheus Jushiro, Enzo Bao e Matheus Mello

Por um breve momento, o futebol internacional parou. No dia 18 de abril de 2021, foi anunciada a criação da Superliga europeia, que seria presidida pelo presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, em oposição à maior competição de clubes do mundo: a Uefa Champions League. Um torneio regado à altas cifras, que levaria a um enriquecimento ainda maior aos clubes que já eram poderosos, menosprezando a verba paga pela tradicional Liga dos Campeões da Europa.
À ocasião, as redes sociais foram inundadas pelas mais diversas opiniões e críticas sobre a criação da liga, os amantes do esporte alegavam que a ganância dos poderosos que mandam nas principais equipes do mundo estava botando em cheque o futuro da maior competição europeia que existe. E nada mais justo que saber a visão daqueles que levam o futebol como uma verdadeira paixão, em meio a uma drástica mudança. A opinião em volta do assunto se tornou bastante contraditória em relação aos torcedores. Alguns simpatizaram com a ideia, outros desaprovaram.
O italiano Emiliano Barbaresi (22), morador da capital italiana e torcedor da Roma, clube não convidado para a Competição, se diz contra o torneio. “O que eu não gosto sobre a Superliga é precisamente o fato do que apenas os clubes mais importantes participariam. Como em todos os esportes, não deveriam ter esses privilégios apenas para alguns, todos deveriam ter a oportunidade de participar de certos torneios”, afirma. O torcedor explica também que não acha a competição uma má ideia, mas diz que foi um erro planejar o torneio pelas “costas” da Uefa.
Morador de Mallorca e torcedor do Barcelona - um dos times fundadores da Liga -, o espanhol Ramon Escobar (26), se mostra a favor da competição argumentando que o mundo sofreu danos financeiros com a pandemia. “O Barcelona apoia muito essa ideia principalmente pelo rombo na receita do clube causado pelo Covid-19. Acho que temos que mudar os contratos em termos de futebol com os maiores e mais antigos clubes da Europa, porque são eles que geram a maior parte das receitas em títulos, isso não significa que eles têm que ficar com todo dinheiro e os clubes mais pobres ficarem sem nenhuma parte do bolo”, diz Ramon.
O francês Téo Monreal (21), natural de Paris e torcedor do Paris Saint-Germain, também apoia a ideia do campeonato. “Eu acho que a Superliga seria a melhor competição europeia, porque reuniria todos os melhores jogadores do mundo como o (brasileiro) Neymar e o (francês) Mbappé, contra adversários de alto nível e com uma frequência bem maior do que estamos acostumados na Champions League”, conta.
Da mesma forma que chamou atenção dos torcedores dos clubes, também gerou grande destaque na mídia esportiva, causando diversos debates acerca do assunto, levantando a pauta sobre a ganância no futebol e ao fim do amor ao esporte, com a ambição dos donos de grandes clubes na Europa.
FIM DO FUTEBOL?
O ex-comentarista do Esporte Interativo (TNT Sports) e da rádio Bandeirantes, Guilherme Pallesi, atualmente na Rádio Mix, comentou um pouco sobre o sentimento dele em relação à criação da Superliga e no que o torneio influenciaria no futebol europeu. “Sou muito contra a Superliga, porque acaba com a meritocracia do futebol, isso é coisa de clube rico, que não pensa nos clubes de pequeno porte”. Ele disse que esse tipo de torneio influenciaria não somente as ligas nacionais, mas também em todos os times de pequeno porte, estariam esquecendo que o futebol não vive só de clubes poderosos e que os menores clubes deixariam de ser lembrados.
Questionado se a liga teria relação com a ganância dentro do futebol, Guilherme afirma: “Eu chamaria isso de falta de respeito, eu chamaria de o fim do futebol, o fim da democracia, fim da meritocracia”.
Assim como torcedores e jornalistas, o evento também impactou aqueles que vivem de perto, na verdade, de dentro do campo. Diversos jogadores tiveram suas opiniões expostas nas redes sociais, como Mesut Özil, jogador do Fenerbahçe da Turquia, que disputou a Champions League por grandes equipes. "As crianças crescem sonhando em ganhar a Copa do Mundo e a Liga dos Campeões, não uma Superliga. O prazer dos grandes jogos é que eles acontecem apenas uma ou duas vezes por ano, não todas as semanas. Realmente difícil de entender para todos os fãs de futebol”, publicou o meia em sua conta no Twitter.

O ídolo do Manchester United, Gary Neville, hoje comentarista na Sky Sports, discursou sobre a competição ao término de uma das competições mais tradicionais da Inglaterra, a FA Cup.
"Eu torço pelo Manchester United há 40 anos na minha vida e estou enojado. Absolutamente enojado. Estou com nojo principalmente do Manchester United e Liverpool. No Liverpool, eles dizem que ´você nunca andará sozinho´, as pessoas do clube, os torcedores. Manchester United, 100 anos. Nascido de trabalhadores por aqui. E estão entrando em uma liga sem competição, da qual não podem ser rebaixados. É uma absoluta desgraça. (...) A motivação é a ganância. Tirem todos os pontos deles amanhã. Ponha-os na parte de baixo da liga. E tire o dinheiro deles. Sério. Você tem que pisar nisso. É um crime. É um ato criminoso contra os fãs de futebol neste país. Não se engane. Este é o maior esporte do mundo, o maior esporte deste país, é um ato criminoso contra os torcedores. Simples assim. Tirem os pontos. Tirem o dinheiro. E punam os clubes."
IMPACTOS NO ESPORTE
Desde o anúncio da possível criação, a ideia gerou um sentimento de revolta por grande parte das esferas que habitam o mundo futebolístico. Foram realizados diversos protestos, não somente dos torcedores dos clubes participantes, mas também por outros times que não estavam cogitados a participar da Superliga, com grande parte deles, alegando “ganância" por parte dos envolvidos.
Algumas horas após o anúncio, diversas torcidas já se organizaram e realizaram protestos em oposição ao torneio, como os apoiadores do gigante Chelsea, antes de sua partida contra o Brighton, pelo campeonato inglês.

Não foi apenas fora do estádio que houve manifestações. No dia 19 de abril, em partida válida pela 32° rodada da Premier League, Leeds United e o poderoso Liverpool, um dos participantes da Superliga, se enfrentaram. O jogo em si ficou em segundo plano, o que ganhou mais destaque foram as camisas utilizadas pelos jogadores do time treinado pelo argentino Marcelo Bielsa. Nela, algumas frases provocativas como "Champions League. Ganhe-a" e "Futebol é para os torcedores". Apesar de não ser vistos com bons olhos, o clube não sofreu nenhuma punição pelo ato, pelo simples fato dos órgãos de futebol também serem contra a criação.

A Uefa, o principal órgão do futebol europeu, como resposta à possível criação, prometeu diversas punições aos clubes fundadores caso não mudassem seu posicionamento. Entre elas: a proibição de todos os jogadores que participassem do campeonato, a atuarem por suas respectivas seleções, podendo comprometer torneios como a copa do mundo, Eurocopa, copa américa e etc. Outra intimação da organização foi a possível proibição de que os times participantes, não poderiam mais jogar a Uefa Champions League e nem a Uefa Europa League por dois anos.
No dia 7 de maio, a Uefa divulgou oficialmente quais seriam as punições tomadas até o momento:
· Nove dos doze clubes fundadores confirmados, entraram em acordo com a instituição e terão 5% das receitas retidas por uma temporada em competições europeias.
· Barcelona, Real Madrid e Juventus, se recusaram a aprovar essas medidas e serão encaminhados aos órgãos disciplinares da Uefa, logo poderão sofrer consequências mais rígidas.
· Nove dos doze clubes vão doar em conjunto 15 milhões de euros para beneficiar crianças, jovens e o futebol de base.
· Os clubes também concordaram em serem multados em 100 milhões de euros, em caso de nova tentativa de jogar qualquer tipo de competição não autorizada ou 50 milhões de euros, se violarem quaisquer outros compromissos com a Uefa como parte do acordo.
Como a Superliga funcionaria?

POR QUE O TORNEIO FOI CRIADO?
Há algum tempo, já havia uma pressão dos clubes para mudar o formato da tradicional competição europeia, a Uefa Champions League. De acordo com uma reportagem do New York Times, a Uefa planejava abrir mão da fase de grupos do torneio e aumentar o número de jogos, formando assim uma liga em formato de pontos corridos, como funciona o campeonato Brasileiro.
No geral, o objetivo era aumentar a receita com direitos de transmissão, patrocínios e bilheteria, já que teriam mais times. Mas, a reformulação só entraria em vigor a partir de 2024. Para esse formato de torneio, os clubes se mostravam a favor, mas algo que pesou para que pensassem em uma outra competição, seria apenas duas vagas garantidas para clubes históricos no futebol.
O principal atrativo da Superliga seria a parte financeira. Assim, o máximo que um clube poderia receber na tradicional Champions League seria um valor de aproximadamente 130 milhões de euros. Com a competição alternativa, todos os participantes garantiriam aproximadamente 340 milhões de euros, quase o triplo do valor do torneio da Uefa.
Os clubes fundadores da competição e a organização da Superliga alegaram que o projeto estabelece uma “base sustentável” para o futuro a longo prazo, aumentado a solidariedade e dando aos torcedores e jogadores amadores, um número muito maior de jogos entre equipes de alto nível, fazendo com que alimente ainda mais o amor e vontade de fazer parte do jogo.
E QUE FIM LEVOU?
Em meio ao caos criado após a ideia da criação, foi entendido que o torneio nunca sairia do papel. Após a pressão da Uefa, dos torcedores e da mídia esportiva mundial, dez dos doze clubes fundadores acabaram desistindo oficialmente do torneio, sobrando apenas Real Madrid e Barcelona, desmanchando todo o planejamento da liga separatista.
O principal idealizador da Superliga, Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, por meio de uma declaração à Rádio espanhola Cadena SER, disse que estava triste e decepcionado com o caminho que tomou a história. “Em toda a minha vida, nunca tinha visto tamanha agressividade, ameaças e insultos, como se estivéssemos matando o futebol.”
Sobre a possibilidade de uma nova tentativa no futuro, o especialista Guilherme Pallesi opinou: “Eu acho que não terá uma nova tentativa, pois os clubes grandes que criaram essa palhaçada, que quiseram colocar essa ideia para funcionar, ficaram em choque com o posicionamento da torcida e também dos clubes de pequeno porte.”
Em matéria publicada no portal UOL, no mês de abril, o colunista Bruno Andrade foi incisivo ao resumir de fato o que foi a ideia da concepção do torneio. “A Superliga é o reflexo da sociedade que prega de forma covarde e ignorante a meritocracia. É a elite do futebol europeu imitando o rico contra o pobre, o branco contra o negro, o homem contra a mulher. É uma espécie de Golpe de Estado.”
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