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Jornaleiros Sem Fronteiras

Qual é o melhor país para ser mãe?

Atualizado: 17 de jun. de 2020

Noruega é o melhor, enquanto a Somália ocupa a pior posição no levantamento realizado pela instituição Save The Children


Por: Kayke Nascimento, Lays Bento, Beatriz Queiroz, Bruna Aiabe, Amanda Caires, Gabriela Ferreira, Heloisa Lahoz e Vitória Merola


Nove meses de cuidado, atenção e expectativa. A gravidez é um momento especial na vida de todas as mulheres, mas não é vivida da mesma maneira. Ao redor do mundo, questões médicas e culturais no processo de gestação variam de acordo com as condições socioeconômicas e os costumes do país. Noruega e Somália mostram o contraste.


De acordo com o ranking feito pela ONG Save The Children, divulgado em 2015, o melhor país para ser mãe é a Noruega. Enquanto a última posição da lista de 179 países analisados, é ocupado pela Somália. A pesquisa levou em conta a saúde materna e infantil, taxa de mortalidade abaixo dos 5 anos, nível de educação, economia e participação das mulheres na política. O Brasil está na 77ª posição.


A pesquisadora e nutricionista norueguesa, Helen Engelstad Kvalem, acredita que a Noruega está em primeiro lugar no Ranking feito pela ONG Save The Children por causa da qualidade de vida. “Nosso sistema de saúde, igualdade de gênero, sistema de bem-estar social com um ano de licença maternidade e paternidade remunerada, torna as mulheres independentes, e isso aumenta as possibilidades de alegria e reduz o risco de abuso”.


Localizado ao norte da Europa, na faixa ocidental da Península Escandinava, a Noruega possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano (0,954), segundo a ONU. A taxa de mortalidade infantil é de 2,5 mortes a cada mil nascimentos e a de mortalidade materna é de 2 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos, sendo considerados índices baixos.


O acompanhamento médico durante a gestação é gratuito no país nórdico. Pela cultura, a mulher só é considerada grávida após a 12ª semana. A brasileira Joana Zachrisen teve dois filhos na Noruega e conta que o sistema é de qualidade.”Na Noruega, todo cidadão tem direito ao planejamento familiar, por isso o aborto é liberado. O acompanhamento médico é muito bom, a baixa quantidade de ultra-sonografia quando comparada ao Brasil não me fez falta. O governo dá suporte para as mães, como na questão da licença-maternidade”.



A Noruega está no topo do ranking da Save The Children; Foto: diário do centro do mundo


A extensa licença-maternidade é outro ponto positivo para as gestantes. A lei do país diz que a mãe e pai têm juntos um ano de licença remunerada. Para estimular os laços familiares e dividir os cuidados com o filho, é obrigatório que o pai tire no mínimo 10 semanas para cuidar do bebê.


No 3º país mais feliz do mundo, segundo a World Happiness Report, os cidadãos noruegueses recebem uma renda dos dois meses até os 18 anos, independentes das condições socioeconômicas da família. Apesar da Noruega ocupar as primeiras posições em muitos rankings e ter apoio do governo, algumas brasileiras que tiveram filhos no país sofrem com o choque cultural, principalmente em relação ao parto.


No país nórdico, as mulheres não têm o direito de escolher entre o parto normal e cesárea. Esse último é feito apenas em casos em que há complicações. O parto é feito por uma parteira e a intervenção do obstetra também só ocorre quando é necessário. Esse cenário é diferente do Brasil, já que as grávidas podem escolher o método. A maioria das brasileiras opta pela cesárea, representando 55% do total de procedimentos, de acordo com o Ministério da Saúde. Na rede privada, o índice chega a 84%.


Na Noruega, a taxa é bem mais baixa que a do Brasil, com cerca de 19,5%. A consultora de vendas que saiu do Brasil em busca de melhores oportunidades conta que teve complicações ao dar a luz, e os médicos insistiam no parto normal. “Fiz um escândalo para conseguir a cesárea. Quando foram fazer, perceberam que a minha filha não ia nascer por parto normal de jeito nenhum porque o bebê estava com a cabeça virada. De tanto que eles forçaram, ela nasceu com a cabeça machucada”.


Já a Somália, país localizado na região oriental da África, apresenta um cenário preocupante com uma das taxa de mortalidade infantil mais altas do mundo (121,5 a cada mil nascimentos). O número de mortes relacionadas à gravidez também é alto, cerca de 829 mulheres morrem a cada 100 mil nascimentos. Enquanto a Noruega é um dos países mais ricos, a Somália tem mais da metade de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza, com menos de 1,25 dólar por dia, de acordo com o Banco Mundial.


Maryan Hussein Mohamed é voluntária do projeto “Sisters without borders”, traduzido como, “Irmãs sem fronteiras”. A mãe de 3 filhos conta como a pobreza impacta diretamente na gestação das mulheres somalianas “Nosso país sofreu com a guerra por muitos anos, por esse motivo, nosso sistema de saúde está quebrado. A cultura e os costumes da Somália tendem a fazer com que os partos sejam feitos predominantemente em casa”.

Além da quebra no sistema de saúde, a guerra civil que ocorre na Somália desde 1991 e sem um final muito claro, trouxe outras graves consequências para a região. A maioria da população passou e continua passando por inúmeros conflitos e crises humanitárias. Outra consequência da guerra é a presença de grupos jihadistas na região, como o grupo Al Shabab e o grupo Estado Islâmico. Estes grupos são bastante conhecidos por cometer ataques terroristas na Somália e ferir o direito das mulheres.


Além disso, o país tem um histórico negativo com ativistas e ONGS de ajuda humanitária, uma vez que eles costumam sofrer ataques de alas radicais do país. Um exemplo disso, aconteceu em 2013, quando a organização sem fins lucrativos Médicos Sem Fronteiras foi obrigada a deixar a Somália por conta de ataques, assassinatos e sequestros sofridos por profissionais de saúde da instituição. O MSF voltou atuar na região quatro anos depois, em 2017.


Entretanto, Maryan não concorda com o levantamento feito pela Save The Children e ela diz que não são apenas os fatores econômicos e políticos que impactam diretamente na maternidade do país, pois a cultura local também tem forte influência em como as mulheres encaram essa fase de vida. Maryan afirma que a família, que normalmente são constituídas por grandes números de parentes, possui um importante papel “após dar à luz, as mulheres somalianas devem ficar de repouso e seu marido e família as ajudam com os deveres de casa”.


A 77ª posição do Brasil


Não é para menos que a septuagésima sétima posição no ranking de 179 países é a do Brasil – o que corresponde a um patamar inferior ao da média internacional. Somente no quesito taxa de mortalidade materna, para 2030, o país precisa reduzir seus números em 50% para atingir a meta firmada pela ONU. São 65 mortes por 100 mil nascidos ante a meta de 35 mortes estabelecida em 2015 pela organização.





Enquanto a região Sul do país atinge os -30%, AL atinge os 108% em taxa de mortalidade materna



Em entrevista, a Dra. Lenira Gaede Senesi, membro da Comissão Nacional Especializada em Mortalidade Materna da Federação de Obstetrícia e Ginecologia (Febrasgo) e professora da Universidade Federal do Paraná, explica que além dos casos mais frequentes de hemorragia e hipertensão não controlada, diversos são os fatores para a mortalidade materna e as dificuldades entre gestar e dar à luz em território nacional.


“Fatores socioeconômicos e ambientais contribuem para a mortalidade, além da falta de planejamento familiar, a falta de um bom pré-natal e a falta de políticas públicas ao parto humanizado. Apesar de iniciativas como a contribuição do Apice On [projeto de Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia], o nosso SUS ficou sucateado durante muitos anos”, ressalta a profissional.

De fato, dados da DataFolha e Febrasgo de 2019, afirmam que mais de 4 milhões de brasileiras nunca foram ao ginecologista. Sendo que 58% das que foram, utilizaram o serviço de justamente uma conquista brasileira: o Sistema Único de Saúde (SUS), a única rede pública de saúde para uma nação com mais de 100 milhões de habitantes. Só a rede é responsável por 40% dos nascimentos por cesárea no país.

Inclusive, no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o número de nascimentos por cesárea duplicou em apenas 15 anos e mais: o Brasil fica em segundo lugar na escala mundial. O percentual brasileiro equivale a 55,5% e só perde para a República Dominicana, com 58,1% de adesão ao procedimento cirúrgico.

Dentre as razões por trás do número, a médica atribui principalmente a falta de esclarecimento e informação materna prévia e a escassez de anestesias no parto.


“A cesárea deve ocorrer nos casos em que são recomendadas. Mas a gente vê que, apenas pela dor, pela falta de esclarecimento, as pacientes pedem uma cesárea antecipada. Tanto que, recentemente estávamos discutindo sobre a escolha de parto mesmo sem indicação médica proposta em lei [PL 435/2019] e que veio discutir a ideia de um parto humanizado. Ela [a mãe] tem o direito, desde que tenha a real informação sobre o risco de uma cesárea! E é aí que entra a importância do pré-natal. Só que também tem o ponto que nem todos os lugares dispõem de um serviço completo de analgesia para todas. Talvez se a gente tivesse uma analgesia, a paciente não pediria uma cesárea”.

Ao compasso que a humanização do parto tem dado largos passos na sociedade, contudo, conforme comentários da própria especialista, o alastramento da pandemia de Covid-19 pode sim agravar os números preocupantes expressos nas pesquisas acima, já que as gestantes (mulheres pertencentes do grupo de risco) tendem a evitar ou adiar os pré-natais.


MAS, E O ABORTO?


Falar sobre gravidez é, também, abrir espaço para falar sobre o aborto. De 1978 até 2019, na Noruega, o aborto era legalizado até a 12ª semana para todos os casos. Depois da 12ª semana, as mulheres precisavam solicitar uma autorização judicial para tal feito. Agora, com uma nova restrição aprovada em 2019 pelo parlamento norueguês, o poder de decisão sobre os abortos seletivos com vários fetos é tratado por uma comissão especial, que tomará a decisão por elas.


A Somália segue uma direção oposta. O aborto no país africano é totalmente proibido, o que não causa espanto, já que até para reconhecer casos de estupro é necessário que haja prova de penetração para condenar um acusado, sendo que, obter um atestado médico não é fácil, lá pouco se fala sobre o assunto.


A Somália é o país com a pior posição no ranking da Save The Children; Foto: IG- no site, a legenda aponta para o NYT


A Organização Internacional Women on Web ajuda mulheres em diversos lugares do mundo a realizarem e se informarem sobre o aborto. “Recebemos muitas solicitações de ajuda. Um levantamento realizado pela organização no ano de 2019 mostrou que ajudamos um total de 13 mil mulheres em todo o mundo somente naquele ano. (...) Os dez países onde nossa atuação é mais efetiva são os seguintes respectivamente: Coréia do Sul, Polônia, Tailândia, Japão, Irlanda do Norte, Grã-Bretanha, Chile, Malásia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia.

Esses países não correspondem, necessariamente, aos países dos quais mais recebemos demandas. Isso porque existem lugares onde, apesar de recebermos diversos pedidos de ajuda – como é o caso, por exemplo, do Brasil –, infelizmente, não conseguimos atuar da forma como gostaríamos. Os motivos são diversos, dentre eles: restrições governamentais, perseguição política e barreiras alfandegárias.”


A ONG conta que não possui atuação na Noruega e Somália, pelo fato de um país já possuir a legalização do aborto e o outro ser extremamente conservador, o que acaba gerando com que a organização não receba nem solicitações de ajuda das somalianas. A ONG ainda completa. “Estima-se que 56 milhões de abortamentos são realizados por ano. Um total de 25% das gravidezes são interrompidas de forma voluntária. Muitos não sabem, mas os riscos de um aborto medicinal são os mesmos de um aborto espontâneo. No entanto, milhares de mulheres não possuem acesso a serviços de aborto seguros e estão sujeitas aos mais diversos riscos.”




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