Com mais de 13 mil mortos pela Covid-19, governo japonês apresenta contradições e vive momento crítico da pandemia; evento está programado para começar em julho
Por: Beatriz Mizuno, Beatriz Suryane, Daniel Gimenes, Gabrielly de Souza, Isabelle Rachel
Após terem sido adiadas por um ano por conta da pandemia do novo coronavírus, as Olimpíadas de Tóquio seguem programadas para começarem no dia 23 de julho de 2021. Mesmo com as chances de um novo adiamento ou um possível cancelamento sendo quase nulas, o evento segue levantando polêmicas e opiniões adversas acerca de sua realização.
O Sindicato Nacional dos Médicos do Japão apresentou ao governo do país, em maio, uma petição com 350 mil assinaturas pedindo o cancelamento dos Jogos Olímpicos de 2021. A petição também foi enviada aos comitês internacionais Olímpico e Paralímpico, sob a premissa de que seria impossível – segundo os médicos japoneses – realizar os jogos de forma segura. O principal temor dos profissionais da saúde do Japão seria a introdução de cepas internacionais da covid-19 no Japão, que, até o dia 14 de maio, apresentava cerca de cinco mil novos casos por dia.
Em janeiro, uma pesquisa publicada pelo jornal japonês The Japan Times revelou que 72% dos japoneses defendiam o cancelamento ou adiamento do evento. A enquete foi realizada pelo Instituto de Pesquisa de Imprensa do Japão entre outubro e novembro de 2020 – quando o total de mortes por Covid-19 era de 2.087 pessoas. Atualmente, o país ultrapassa a marca de 13 mil mortes por Covid-19.
A brasileira Andresa Troian, 38 anos, residente da região de Kagurazaka, em Tóquio, compartilha da mesma opinião da maioria dos entrevistados na pesquisa. Andresa defende que não faria sentido comprometer toda a população que está em Tóquio e as pessoas que para lá irão, tendo em vista a expansão e o risco do vírus. Além da possibilidade de infectar quem reside no Japão, ela levanta a hipótese da infecção por covid-19 dentro do comitê olímpico. “No caso de uma equipe, um treinador, um atleta estar contaminado durante a Olimpíada, toda aquela competição seria anulada?”, indaga a professora de geografia.
Com relação às medidas preventivas que estão sendo tomadas pelo governo japonês, o engenheiro de TI Paulo Santos, que mora em Shibuya, província de Tóquio, há cinco anos, explica: “passamos por diversas fases (estados de emergência) com regras diferentes”. No entanto, ao que parece, o dia a dia da cidade que tem mais de nove milhões de habitantes espalhados por 2.194 km² continua normal. “Os trens continuam lotados como sempre”, relata.
Entre as medidas de segurança contra a covid-19 no Japão, observa-se o fechamento de fronteiras para viagens turísticas. No entanto, Paulo conta que é possível encontrar bares funcionando até tarde, e diz que, diferentemente do Brasil, aparentemente a polícia japonesa não vai desfazer aglomerações. Essa colocação traz uma indagação sobre quais seriam as reais precauções que estão sendo tomadas pelo governo japonês para diminuir os casos de covid-19 antes das Olimpíadas.
“Estamos com mais de três milhões de mortes nessa pandemia. Não temos previsão para o fim e esse número ainda vai aumentar muito, infelizmente. Aí eu te pergunto, a conta fecha? Combina com o espírito Olímpico?”
Paulo Santos
REGRAS OLÍMPICAS
Para monitorar a saúde de atletas e membros das delegações, o Comitê Olímpico Internacional (COI) lançou a segunda versão de seu Livro de Regras – o “Playbook” – em abril de 2021. Nele, restringiu ainda mais algumas medidas que já haviam sido estipuladas, como a realização de testes diários nos envolvidos diretamente com as disputas, que antes seriam feitos a cada quatro dias. Além disso, proibiu atletas e delegações de utilizarem qualquer meio de transporte não-oficial e de se alimentarem fora das instalações esportivas, da vila olímpica ou dos hotéis em que estarão hospedados.
Mídia e convidados também deverão apresentar dois exames negativos no espaço não superior a quatro dias antes de embarcar para o Japão. Qualquer pessoa que descumprir essas regras estará sujeita a punições e até mesmo exclusão dos jogos. No que diz respeito à capacidade de torcedores permitida, o COI postergou a decisão para o mês de junho, sem data definida – ou seja, não se descarta a possibilidade de um evento realizado à portas fechadas.
Mesmo com o Livro de Regras, o Diretor Geral das Seleções Masculina e Feminina da Confederação Brasileira de Handebol, Álvaro Herdeiro, afirma que as alterações nas restrições impostas pelo governo japonês às delegações internacionais mudam sem aviso prévio. Por ora, Álvaro afirma acreditar que a viagem será realizada com 10 dias de antecedência, que não haverão “dias livres” para conhecer a cidade e que não será permitido o contato das delegações com a população local.
Além disso, o diretor afirma que, segundo o Comitê Olímpico do Brasil, será necessário “passar todos os passos” da delegação ao governo japonês: onde se alimentarão, onde se hospedarão antes da abertura da Vila Olímpica, onde treinarão e a que horas ocorrerão estes treinos. Álvaro completa dizendo que adverte os atletas para que evitem aglomerações, pois conhece “um número razoável” de atletas que já contraíram a covid-19.
No primeiro semestre de 2021, o Ministério da Saúde anunciou a vacinação de toda a equipe olímpica e paralímpica brasileira: ao todo, 1.814 pessoas seriam vacinadas, entre atletas e comissão técnica. Segundo o Ministro da Saúde em exercício na ocasião, Marcelo Queiroga, as doses não teriam interferência no plano nacional de imunização, pois foram doadas ao Comitê Olímpico Brasileiro pelos laboratórios Pfizer e Sinovac.
Apesar disso, as opiniões entre os atletas olímpicos também são divergentes. Mesmo tendo conhecido colegas que contraíram a covid-19, o mesatenista paralímpico Israel Stroh defende a realização do evento. Medalha de prata nas Olimpíadas Rio-2016, o atleta parte do princípio de que, em algum momento, o mundo precisa “virar essa chave da pandemia”, precisa começar a pensar de forma saudável, e o melhor evento possível para isso são os jogos olímpicos e paralímpicos.
Atleta de judô paralímpico, Giulia Pereira também relata conhecer colegas de profissão que já contraíram a covid-19, mas destaca que um corpo ativo e um sistema imune fortalecido são vantagens dos atletas, que “têm melhores chances de se recuperar do coronavírus”. Mesmo assim, Giulia acredita que a realização dos Jogos Olímpicos é “uma loucura muito grande”. Um dos pontos levantados pela atleta foi o risco de se fazer viagens internacionais neste momento. Ela ainda diz reconhecer a questão monetária envolvida na realização do evento, mas indaga o que seria prioridade: “Nossa saúde [dos atletas] ou nos colocarem em risco [por dinheiro]?”.
Ainda no âmbito financeiro, o economista Takahide Kiuchi, executivo do Nomura Research Institute e ex-membro do conselho do Banco do Japão, divulgou em um estudo que, caso as Olimpíadas fossem canceladas, o prejuízo para o Japão seria de US$ 17 bilhões – ou cerca de R$ 90 bilhões. Essa informação levanta a hipótese de que, acima do espírito olímpico, as questões monetárias podem estar sendo colocadas em detrimento da saúde de milhões de pessoas.
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