Além dos cuidados de prevenção da contaminação da Covid-19, é fundamental cuidar do emocional, diz especialista
Quando comemorávamos a virada de ano com parentes e amigos, ninguém jamais poderia imaginar que o novo coronavírus, descoberto na China, no final de 2019, atingiria quase toda a sociedade mundial. No primeiro semestre de 2020, já eram mais de 5 milhões de casos confirmados pelo mundo, só no Brasil, mais de 300 mil. Como forma de tentar conter o contágio, o isolamento social é uma das medidas recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). A maioria dos países decretou quarentena, e junto com essa medida, rigorosa porém necessária, vem a preocupação com a saúde mental das pessoas, que pode ser gravemente comprometida.
Em relatório publicado em maio, Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, fez um alerta sobre o impacto da pandemia na saúde mental das pessoas. São vários os fatores que podem contribuir com o desenvolvimento ou agravamento de transtornos mentais: o isolamento social por si só, a incerteza do que está por vir, e principalmente o medo, seja de perder os familiares, de se contagiar, de perder emprego etc. O documento das Nações Unidas aponta a necessidade de investimentos, mais do que nunca, em serviços de saúde mental. Além disso, também foram divulgados dados que indicam o aumento de casos de ansiedade e depressão em diversos países.
A brasileira Giulia Castanho é hoist operator (operadora de elevador de obras) e vive em Sydney, na Austrália. Há 3 anos, ela e o marido deixaram o Brasil para aprimorar o inglês e buscar trabalho no exterior. Giulia está de quarentena desde o dia 23 de março, saindo apenas para trabalhar e ir ao mercado. Apesar de a Austrália não ter tido lockdown – bloqueio total, sendo a medida mais severa em uma pandemia -, e sua rotina não ter sofrido mudanças muito radicais, ela tem enfrentado crises de ansiedade e estresse.
“Chorei por vários dias pois eu queria ir para o Brasil e não estava conseguindo, queria estar perto da minha família nesse momento. Comecei a delirar achando que eu não veria mais ninguém, que eu ficaria doente. Isso mexeu demais comigo, meu coração tinha disparos tão fortes que a minha pressão baixava a ponto de eu cair em casa”, relata Giulia. A brasileira ficou sem dormir e se alimentando mal por dias, sendo a incerteza de quando conseguirá voltar ao Brasil sua maior angústia. Ela também sentiu medo ao ver pessoas saindo nas ruas sem máscaras e luvas, brigas no supermercado por causa de produtos, pessoas infectadas cuspindo em outras pessoas e em objetos, e por não saber se teria os mesmos direitos que cidadãos australianos nessa crise, por ser imigrante.
A turca Sesil Altun também teve planos interrompidos pelo novo coronavírus. Ela estava no meio de um intercâmbio em Nova York quando precisou voltar para casa na cidade de Adana, aproximadamente um mês e meio atrás. Além disso, o irmão de Sesil é médico e mora em Nova York. Ele foi infectado pelo vírus, o que fez a preocupação da jovem aumentar ainda mais. "Quando retornei para a Turquia me senti depressiva, meus planos tinham ficado todos para trás. Fiquei ansiosa por meu irmão ter contraído o vírus e tive que tomar calmante para dormir. Depois de algum tempo ele já estava melhorando, e eu fui parando com o remédio. Hoje, me sinto bem, mas ainda angustiada pensando se algum dia vou retornar para os EUA para continuar meus estudos", conta a jovem.
Com tantos relatos sobre a piora ou o desenvolvimento de doenças mentais durante a quarentena, o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da APAL (Associação Psiquiátrica da América Latina) e da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), afirma que o atendimento psiquiátrico aumentou cerca de 30% quando comparado a antes do distanciamento social. “Todas as doenças mentais podem ter na quarentena o seu gatilho, mas temos percebido um maior volume de transtornos ansiosos, depressivos e compulsões alimentares”, diz. Segundo ele, é imprescindível cuidar da saúde mental.
Com o passar dos dias, os sintomas de desgaste, cansaço e problemas mentais vão aparecendo. Uma hora ou outra, as pessoas começam a perceber o efeito que o isolamento social está deixando. “Muitas pessoas têm relatado um aumento considerável da sensação de medo, seja de contaminar-se ou de contaminar os seus familiares - e isso pode ser atribuído ao transtorno de ansiedade. Alterações de sono e alimentação, para mais ou menos, e alterações na concentração também têm sido relatadas”, afirma o médico.
Além do distanciamento social, o consumo excessivo de notícias ruins também é um fator que pode vir a gerar qualquer tipo de problema mental. Nesses casos, o recomendado pelo psiquiatra é que a pessoa reserve um horário específico do dia para informar-se sobre o coronavírus, e, de preferência, por canais oficiais das autoridades de saúde, ou veículos de comunicação com credibilidade, para não cair em fake news.
“É importante destacar que nada substitui o atendimento psiquiátrico ou psicológico. Pessoas que estão apresentando sintomas psiquiátricos, indicativos de depressão ou ansiedade, precisam passar por uma avaliação psiquiátrica para observação do quadro e início do tratamento adequado, seja por telemedicina ou consulta online”, destaca o médico, afirmando a importância de um atendimento profissional.
O que fazer para cuidar da saúde mental?
No meio de uma crise, há diversas atividades para realizar, e assim, ocupar a mente. Para os privilegiados, é possível enxergar não apenas o lado negativo da quarentena. Segundo o médico, as pessoas podem dar ênfase em outras partes, como o estreitamento de laços familiares, fazendo as pessoas conhecerem melhor as pessoas com quem convivem em casa, por exemplo, evidenciando como tudo tem dois lados. Por isso, o psiquiatra dá algumas dicas do que as pessoas podem fazer durante o período de distanciamento social. “Ao estar em casa, concentre-se nas atividades de casa, aproveite também para ler livros daquela lista que está guardada, ouça música, assista filmes e séries e fique com a família. Atividades como relaxamento, meditação e alongamento também podem ajudar a acalmar a mente”, aconselha.
Em diferentes lugares do mundo, as pessoas têm buscado por atividades que possam acalmar e distrair durante esse período. É o caso da brasileira Ana Carolina Ferreira, que está reagindo de forma diferente à quarentena. A universitária estuda Cinema em Covilhã, Portugal, mas está isolada desde o dia 12 de março junto com o namorado em Porto, cidade que fica a duas horas de distância de Covilhã. Ana Carolina se considera muito caseira, e, por isso, diz que não tem se incomodado tanto com a quarentena. "Sou uma pessoa muito tranquila, eu já não saía muito, só faculdade, casa, ou casa de alguma amiga, então não estou tendo grandes problemas", conta a estudante.
Ana, porém, enfrentou contratempos com uma viagem que estava marcada para o Brasil, o que a deixou um pouco abalada. Ela tinha uma passagem para voltar em maio, mas precisou adiar, e agora ela só voltará em junho para rever família e amigos. "Fico chateada por não saber quando tudo vai acabar para eu poder voltar, isso me deixou ansiosa", diz.
Ana Carolina tem assistido muitos filmes e séries. Para exercitar o corpo, ela faz exercícios na academia do prédio onde está passando a quarentena, e pratica yoga em casa. Para a mente, ela optou pela meditação e por podcasts. “A meditação ajudou bastante porque eu estava com insônia, mesmo cansada eu não conseguia dormir por causa da ansiedade da quarentena, pela falta da rotina e preocupação com a faculdade. Baixei um aplicativo de meditação e tenho ouvido podcasts para me distrair com assuntos diferentes”, conta.
Já na Turquia, Sesil, além de estar estudando, tem se aprimorado na cozinha, aprendendo receitas de pratos típicos de sua cidade que ela nunca tinha experimentado. Ela pretende também ir para a casa dos avós, na Grécia, para se distrair com outros ares, já que lá ela conta que a quarentena está quase no fim.
Giulia, na Austrália, têm conversado com pessoas que estão se sentindo do mesmo jeito que ela, para compartilharem as diferentes experiências que estão vivendo durante o isolamento. Ela e o marido dividem apartamento com outro casal, e os quatro procuram por formas de se distraírem para passar o tempo. “Nós conversamos ou jogamos ‘Imagem e Ação’, assistimos filmes e séries, sempre tentamos fazer alguma coisa juntos”, diz ela.
Apesar das diversas atividades possíveis que podem ser realizadas, o médico também ressalta a importância de respeitarmos nossas limitações, para que não haja a cobrança de ser produtivo nesse período. É necessário olhar também para o coletivo, e pensar que nem todos conseguem ter o mesmo acesso ao entretenimento. “Cada um pensa e age de uma maneira própria. É importante ter em mente que todos somos pessoas diferentes, e por isso mesmo, precisamos praticar o autoconhecimento. Caso haja, no entanto, algum tipo de alteração no comportamento que se reflita em alguma atividade de forma negativa, é bom ligar o sinal de alerta”, diz o psiquiatra.
Ana Carolina aderiu à prática da meditação para lidar com a insônia e a ansiedade na quarentena
Alan Pimentel, Bruno Azevedo, Letícia Gonçalves, Nathália Maretti, Renan Fukuda, Sofia Storari.
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