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Brasileiros que vivem no exterior falam sobre situação econômica em outros países

Atualizado: 14 de jun. de 2021

Entre lockdown, crise financeira e bolha de viagens, estrangeiros explicam como Nova Zelândia, Inglaterra e Argentina lidam com a Covid-19; imunização segue ritmo acelerado


Por: Beatriz Mirelle, Felipe Laurindo, Laura Amaral e Luiza Helena


Enquanto o Brasil se depara com os aumentos expressivos das mortes e contaminações pela Covid-19, outros países aceleram o processo de imunização e garantem à população a redução do número de infectados e reabertura dos comércios. Entre lockdown rígido e ações de incentivo financeiro, brasileiros que vivem no exterior comentam sobre os impactos econômicos da Covid-19 na Nova Zelândia, Inglaterra e Argentina.


O economista e vice-coordenador do curso de Bacharelado em Ciências Econômicas da Universidade Federal do ABC, Fábio Bittes Terra, diz que os quatro países, incluindo o contexto nacional, são dependentes de commodities, que servem como matérias-primas fornecidas em larga escala. As importações em massa de minerais e agrícolas são comuns nessas nações, porém geram consequências diferentes em cada território. “Os produtos cotados em dólar são extremamente importantes e sofrem muito com desvalorizações cambiais. Isso repercute nos custos de produção, é repassado aos preços domésticos e promove choques inflacionários.”


A Nova Zelândia é um destaque no enfrentamento à crise desde o início da pandemia. A nação liderada pela primeira-ministra Jacinta Arden, do Partido Trabalhista, zerou os casos de novo coronavírus pela primeira vez em junho de 2020. Apesar de identificarem a doença novamente em solo nacional, as severas medidas de restrição possibilitaram que os neozelandeses voltassem às atividades normais rapidamente.


Além da preservação das recomendações sanitárias e do lockdown que durou 40 dias, as fronteiras ficaram fechadas até abril de 2020. Depois desse período, Jacinda permitiu que a Nova Zelândia estabelecesse contato apenas com a Austrália, que também está com as taxas controladas - neste ano, a primeira morte por Covid-19 registrada no país foi em abril. A relação entre os dois é chamada de “bolha”.

Pontes em Auckland (NZ). Foto: Reprodução/Instagram

Murilo Pontes, de 33 anos, morava no Paraná (BR) e, há sete anos, se mudou para Auckland (NZ). Para ele, os prejuízos gerados pela pandemia foram nulos por conta da estabilidade no segmento em que atua. Em mais de 14 meses, o analista de sistemas não notou nenhum reajuste de preços de produtos de mercado e despesas como água e energia elétrica. Quando a doença foi identificada pela primeira vez no país, a empresa que trabalha se ajustou ao sistema remoto. “No meu setor, lidamos com o crescimento massivo das demandas. Como as pessoas não conseguiam realizar as tarefas presencialmente, nos adaptamos para suprir as necessidades dos consumidores.” Agora, no pós quarentena, ele vai ao escritório dois dias por semana e os outros três são em casa.


Bittes explica que os poucos impactos no país são justificados pelos índices territoriais e pela gestão pública em meio à crise. “A Nova Zelândia é rica em recursos naturais e tem baixa demografia, o que viabiliza a disponibilidade de parte dos bens necessários para uma boa vida material da população. É nítido também que o país teve a decência de distribuir renda.” Para o analista de sistemas, a única dificuldade que encontrou foi a escassez de alguns itens em março de 2020. “Essa falta foi pontual e aconteceu por causa da barreira de importações. Nas prateleiras, produtos como papel higiênico e farinha eram insuficientes", relembra Murilo Pontes.

"Não tive prejuízos. Meu emprego continuou estável e com mais serviços", diz Pontes. Foto: Reprodução/Instagram

Pontes diz que as iniciativas financeiras do gabinete executivo foram fundamentais para manter o funcionamento das empresas e, consequentemente, gerar a rápida recuperação econômica. “Até hoje, as companhias têm a chance de solicitar ao governo um auxílio que contribui nos pagamentos dos trabalhadores. Isso foi mais recorrente nas primeiras semanas de lockdown.” No último ano, de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), a Nova Zelândia direcionou 19% do PIB (Produto Interno Bruto) para controlar a pandemia. No final de 2020, o ministro da Economia da Nova Zelândia, Grant Robertson, informou que o país recuperou os gastos e somou, entre julho e setembro, um crescimento trimestral de 14%.


O brasileiro nota que o turismo e hotelaria são as áreas mais afetadas na Nova Zelândia. Com a flexibilização causada pela “bolha”, esses campos estão se reaquecendo com a possibilidade dos cidadãos transitarem livremente entre os dois territórios. Segundo o economista, o turismo corresponde a, aproximadamente, 10% do PIB mundial. “A pandemia certamente impactou profundamente ambos os setores pelo fechamento de fronteiras e isolamento. Nações que conseguiram controlar a pandemia, com isolamento e vacinação, poderão ganhar relativamente mais por atraírem turistas de outros lugares que também estão com os casos estáveis”, afirma Bittes. Ele complementa que esse cenário está longe de ser uma realidade no Brasil, que perdeu mercado tanto de turistas domésticos quanto de estrangeiros, e diz que o prejuízo será ainda maior nos próximos meses.


Recuperação europeia


Ainda na Europa, João Vitor Franceli, de 22 anos, também sofreu poucos impactos econômicos com a crise sanitária. “Cheguei até a gastar menos por causa do isolamento social. O principal fator foi o prejuízo no mercado imobiliário de Londres. A maioria dos residentes internacionais resolveram ficar em seus países de origem para estudar e trabalhar remotamente.” Com a baixa concorrência, o preço do aluguel diminuiu e o brasileiro conseguiu um apartamento por um valor acessível.

Franceli em Londres (UK). Reprodução: Reprodução/Instagram

Além disso, o país se manteve por 6 meses em lockdown, com bares, restaurantes, academias e outras áreas de entretenimento fechados. “Em tempos normais, essas atividades consumiam de 15% até 25% da minha renda mensal. Pude ir ao Brasil por dois meses já que o real está desvalorizado em comparação a libra”, afirma Franceli, que trabalha como associate consultant na GEP Worldwide, multinacional de consultoria tecnológica.


Como em diversos lugares, o Reino Unido promoveu iniciativas para ajudar os moradores e negócios da região. Em agosto, ocorreu a Eat Out To Help Out, um incentivo para que a população voltasse a frequentar bares e restaurantes. Nela, o governo pagava 50% da conta nos locais cadastrados. Também forneceram o Furlough Scheme, no qual empresas que não conseguem reter os funcionários podem solicitar uma ajuda para pagar os salários enquanto estiverem inativos. No último ano, segundo o Escritório Nacional de Estatística (ONS), o PIB britânico teve a maior retração já contabilizada, com uma queda de 9,9%.


Instabilidade na América Latina


Vizinhos, Brasil e Argentina enfrentam outra realidade. A estudante de medicina Beatriz Amaral, 22, se mudou de Santo André, em São Paulo, para Buenos Aires há dois anos e conta como foi enfrentar a quarentena mais longa do mundo. “Era surreal. O governo avisou sobre o lockdown em 19 de março de 2020. No dia seguinte, entramos em quarentena restritiva obrigatória que durou até agosto.” Ela explica que o monitoramento era rigoroso e apenas estabelecimentos essenciais funcionavam. “Não tinha ninguém nas ruas. Os policiais vigiavam o movimento e checavam se as pessoas estavam saindo somente por necessidade. Quando a situação se estabilizou, tivemos a flexibilização que mantemos hoje.”


Na Universidade de Buenos Aires (UBA), a jovem está no sistema à distância, que já era comum no instituto. “Minha adaptação foi fácil porque já tinha algumas aulas e trabalhos que eram online. Antes da medicina, fazia o Ciclo Básico Comum (CBC) pela internet. Então, estava acostumada a estudar em casa.” Apesar de se adequar ao novo ritmo, a maior preocupação dela é quando poderá retomar as aulas presenciais, que são imprescindíveis para o curso na área da saúde.

Beatriz na Galería Solar de French (AR). Foto: Arquivo pessoal

Sem previsão de retorno, Beatriz, que mora sozinha, observa o aumento expressivo nas despesas básicas. Por receber mensalmente dinheiro dos familiares, não é tão atingida pela desvalorização do peso, a moeda argentina. “Eu ganho em real, que equivale a $29. A oscilação nos valores sempre foi recorrente porque aqui a inflação é alta. Quando cheguei aqui, R$1 era cotado em 10 pesos.” Com isso, os argentinos enfrentam diretamente as dificuldades geradas por essas movimentações. Desde o começo da crise, o país registrou o fechamento de mais de 42 mil corporações de pequeno e médio porte, segundo a Câmara de Comércio e Serviços Argentina.


No supermercado, os laticínios e carnes são as mercadorias que mais fazem a diferença no bolso do consumidor. “Essa é outra vantagem que tenho, porque não compro esses alimentos. Por outro lado, produtos naturais, frutas e verduras aumentaram, assim como o valor do aluguel”, explica Beatriz.


Com o isolamento mais longo do mundo, ruas da Argentina permanecem vazias.

Foto: Arquivo Pessoal/Beatriz Amaral


Fábio Bittes aponta que, pela grande população, a Argentina precisa obter recursos para além dos que são produzidos nacionalmente. “Apesar de conseguir, o país passou por um processo de desindustrialização nas últimas décadas que o deixou muito dependente das commodities e seus preços oscilantes.” Dessa forma, agravam-se as condições econômicas internas e externas, justificando as inconstâncias econômicas antes mesmo da pandemia.


As alternativas que a brasileira encontrou para conter os gastos envolveram cortes com lazer e transporte. “Saia regularmente. Parei de ir ao cinema, bares e até de praticar Krav Magá. Isso teve um impacto positivo no meu orçamento e consigo direcionar minhas reservas para compras mais urgentes”, frisa.



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