Apesar do bom relacionamento entre os presidentes, medidas adotadas pelo Brasil perante a crise do coronavírus não têm agradado os Estados Unidos
Bianca Soletti, Danielle Moraes e Karen Pereira
As relações diplomáticas entre alguns países têm se tornado pauta durante a pandemia, entre elas, a relação entre o Brasil e os Estados Unidos. Antes mesmo da crise causada pela Covid-19, que já virou um marco nos livros de história de todo o mundo, era de amplo conhecimento o fanatismo de Jair Bolsonaro (Sem Partido) por Donald Trump (Partido Republicano), por seu governo e pelo país como um todo. Em diversas falas, o presidente Bolsonaro já deixou claro que usa o país como um exemplo a se seguir, como dito em uma publicação em uma de suas redes sociais, que os EUA teriam "o menor (índice de) desemprego da história", "a melhor economia do mundo", "valores da família renovados", "fronteira mais segura", entre outros pontos elogiados. Entretanto, a pandemia trouxe à tona o elo fraco no relacionamento amigável entre os presidentes. Até aqui, não vimos medidas concretas de cooperação bilateral entre os países. Trump têm se distanciado do governo brasileiro, deixando claro em suas declarações que não está de acordo com o posicionamento afrontoso de Jair Bolsonaro perante à pandemia, que vem desagradando o governo norte-americano e pode até a prejudicar o Brasil.
O relacionamento político entre os dois países não é novo. Desde 2003, com a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores) ao poder e enquanto George Bush (Partido Republicano) ainda era o presidente dos Estados Unidos, a política externa do Brasil se destacou e contou com mudanças estratégicas importantes, que estimularam uma melhora na relação diplomática entre os dois países. Quando Jair Bolsonaro foi eleito, em janeiro de 2019, o mesmo deixou evidente que o seu posicionamento seria de apoio e de aproximação ao governo de Trump, o que gerou algumas colaborações entre ambos. Por parte dos EUA, um acordo foi feito para o lançamento de satélites e foguetes na base de Alcântara (MA), assim como também apoiou a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conquista positiva para a nação verde e amarela. Já o Brasil liberou a entrada de americanos no país sem a necessidade de visto, embora o mesmo não tenha ocorrido pela outra parte.
Da mesma forma, pensando em fortalecer essa parceria, em abril o então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que se reuniu com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, para discutir colaborações entre os dois países no combate ao avanço da doença e citou a possibilidade de empresas brasileiras ajudarem na produção de máscaras de proteção para atender o mercado americano e brasileiro.
Porém, conflitos têm se estabelecido de acordo com o posicionamento adotado por cada país, diante da falta de medicamentos e equipamentos para o combate do coronavírus, além de declarações equivocadas sobre as medidas individuais de controle da disseminação da doença.
No início da pandemia, o posicionamento do Bolsonaro e do presidente americano Donald Trump eram bem-parecidos: ambos chegaram a afirmar que a doença se tratava apenas de uma gripe. No entanto, no final de março, Trump, depois de alternar muito em suas decisões, recuou e declarou que a situação era grave e que o isolamento social deveria ser adotado, pelo menos, até o início de junho no país.
Segundo Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o governo norte-americano tem atuado de maneira individualista, chegando a prejudicar o Brasil e outros países. No começo da crise, os EUA foram acusados pelas autoridades alemãs de confiscar respiradores destinados a outros países que também lutam contra a doença, como Brasil, França e Alemanha. A embaixada norte-americana no Brasil nega a prática de pirataria e disse que os relatos são falsos. Casarões considera que ambos minimizam a pandemia, atacaram a China a partir de teorias conspiratórias, brigaram com governadores, imprensa e autoridades sanitárias de seus países, atitudes que não trouxeram benefícios para nenhuma das partes.
“O maior risco é a estratégia utilizada por Bolsonaro de imitar Donald Trump em todos os seus passos no enfrentamento da crise. Falta ao governo brasileiro a compreensão de que nem tudo que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”, afirma o professor.
A pandemia também tem deixado marcas na relação entre os dois países. Na última semana de abril, Trump levantou a hipótese de criar restrições de voos entre o Brasil e os Estados Unidos. Segundo o presidente americano, o Brasil seguiu rumos diferentes no combate à doença, em comparação a outros países da América do Sul. Sobre essa relação, agora delicada, o doutor e especialista nas relações entre o Brasil e os EUA, Sidney Ferreira, afirma que “essa ajuda mútua é muito frágil, e por um lado, bastante desestruturada. Há diferença de esforços entre as partes e a conclusão é que, tanto o Brasil, como os Estados Unidos, estão atordoados diante de uma crise da qual ambos não haviam se planejado”.
Para o professor e jornalista especialista em política e economia, Ilton Caldeira, “O mandatário americano foi revendo a sua estratégia, hora se solidarizando com a dor da população, ora criando fatos que tirassem o foco dos erros cometidos e do despreparo para lidar com a situação gravíssima”. Comportamento esse seguido por Bolsonaro, que protagonizou diversos episódios criando fatos paralelos para tirar o foco da falta de planejamento para o controle da situação. Esse fato pode ser comprovado pela postura irônica do presidente em suas declarações.
Na portaria do Palácio do Planalto em conversa com os repórteres, o presidente foi questionado sobre a gravidade da situação no país e respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres”. Ainda perguntou se alguém estaria transmitindo ao vivo, e após afirmações, mudou o tom de voz: “Lamento a situação que nós atravessamos com o vírus. Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus entes queridos”, disse. Enquanto isso, o Brasil soma mais de 24 mil mortes.
Ainda segundo Ilton, esse negacionismo em primeiro plano por parte do governo brasileiro pode trazer consequências. “Essa tentativa de copiar um estilo de gestão têm gerado, em curto prazo, uma antipatia pelo Brasil no exterior e pode, no médio prazo, levar o país a perder oportunidades no mercado internacional e abalar as relações com parceiros históricos”, afirmou.
Os Estados Unidos se tornou o novo epicentro da doença no mundo, ultrapassando a marca de 100 mil mortos e mais de 1,7 milhão de contaminados no começo do mês de maio. Após a calamidade se alastrar, Trump mudou seu posicionamento e tomou medidas como o aumento do isolamento social. A jornalista americana Cheryl Knight, repórter da Silicon Valley, conta que, além da devastadora perda de vidas que assombrou a população americana, o posicionamento atrasado de Trump de aderir ao isolamento prejudicou ainda mais o comércio e, consequentemente, a economia. “As empresas tiveram que adaptar suas plataformas para tecnologias de ponta, para que os funcionários pudessem trabalhar de casa. Algumas empresas estavam preparadas para isso, por já estarem em um processo de transformação digital. Já outras tiveram que acelerar este processo, o que acabou saindo caro. Como a tecnologia corporativa é o que minha empresa cobre, fomos muito afetados por isso”, afirma Cheryl.
Porém, quanto às medidas positivas de Trump, Bolsonaro não faz menção de seguir o exemplo. Pelo contrário, insiste que o isolamento deve acabar, a fim de evitar a quebra da economia.
E a economia, como fica?
Como consequência, especialistas do cenário econômico, assim como outros países do mundo, se questionam sobre como a economia vai sobreviver após a COVID-19, considerando o fato de que o isolamento social estagnou os meios de produção como forma de tentar achatar a curva de contaminação. O presidente brasileiro demonstra uma postura negacionista em relação ao coronavírus, além de ser a favor do fim da quarentena. Em diversas ocasiões, têm dado declarações que contradizem as recomendações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e menosprezando o perigo que o coronavírus oferece, deixando claro que a sua maior preocupação é a economia brasileira e que suas ações são focadas em diminuir os danos e impulsionar o setor econômico.
Em uma videoconferência com empresários, transmitida pela TV Brasil no dia 20 de março, Bolsonaro afirmou que a economia não pode parar e que o fechamento de aeroportos e estradas apenas geram um impacto ainda mais negativo. Tais declarações geraram diversos atritos com vários governadores. Um dos conflitos mais marcantes foi com João Dória (PSDB), governador do Estado de São Paulo, acusado pelo presidente ter se apoderado do nome de Bolsonaro nas eleições de 2018 e depois “lhe dado as costas”. O presidente brasileiro ainda chegou a declarar que “certos governadores estão tomando medidas extremas que não competem a eles”, e Dória respondeu às declarações, afirmando que os governadores estão fazendo o que o próprio presidente deveria ter feito. Em São Paulo, o atual epicentro da doença no país, a quarentena continua sendo estendida e medidas mais drásticas estão sendo adotadas periodicamente.
Até o momento, o governo anunciou algumas providências para auxílio durante o período de pandemia. Entre elas, a antecipação do 13º salário de pensionistas e aposentados do INSS, a redução da taxa de juros dos empréstimos consignados, redução temporária de impostos para empresas, novos recursos para o Ministério da Saúde, transferências para Estados e municípios, e a liberação do auxílio emergencial de R$600 para trabalhadores informais, desempregados, microempreendedores individuais (MEIs), de famílias de baixa renda e trabalhadores intermitentes que estejam inativos no momento.
Mães que sejam as únicas responsáveis pelo sustento de suas famílias poderão receber até R$1200. Também foram adotadas medidas provisórias, nºs 935 e 936, que são responsáveis por complementar os salários de trabalhadores que tiveram suas cargas horárias e remuneração reduzidas. O governo anunciou, da mesma forma, a isenção do Imposto para Operações Financeiras (IOF) para as operações de crédito por 90 dias e um acordo com a indústria farmacêutica para permitir que o aumento dos remédios seja adiado por dois meses.
Enquanto isso, os Estados Unidos também adotaram medidas de auxílio às nações mais afetadas pela doença. O Congresso preparou um pacote de ajuda financeira de quase US$ 2 trilhões para combater o impacto econômico. Essa medida auxilia também a população, que receberá US$ 1.200 por pessoa, com um adicional de US$ 500 por criança para permanecerem em casa, a fim de evitar a propagação do vírus. No pacote, também estão inclusas mudanças na concessão do seguro desemprego. Outros US$ 250 bilhões serão usados exclusivamente para aumentar o benefício desta classe. Há também uma medida para as pequenas, médias e grandes empresas: US$ 350 bilhões serão injetados nesses negócios na forma de empréstimo.
De acordo com Mike Pompeo, secretário de Estado americano, a ideia é que os EUA auxiliem parceiros, sem que isso afete o fornecimento de suprimentos para os norte-americanos.
Segundo Ilton Caldeira, não existe um traçado de ações mútuas entre os dois países, uma vez que os EUA têm investido também em estudos, juntamente com o Reino Unido, por tratamentos eficazes e o Brasil “passa longe do espectro dessa força-tarefa”, mal conseguindo conter o sucateamento de seu sistema de saúde.
É seguro afirmar que a relação entre os países é, mais do que qualquer coisa, um reflexo da vontade de Jair Bolsonaro de espelhar no Brasil o tão famoso “sonho americano”. Porém, como citado pelo professor Guilherme Casarões, nem tudo que funciona para os Estados Unidos irão funcionar para o Brasil. Em diversas entrevistas e depoimentos de Donald Trump, é fácil observar que a admiração não é recíproca entre os países. Embora a aproximação feita, devido à vontade e insistência de Bolsonaro, traga benefícios para o Brasil, ao idolatrar o universo americano o presidente deixa de lado o fato de que a realidade brasileira é completamente diferente, fazendo assim, com que lacunas se intensifiquem nos campos da saúde e educação, ao tentar aprimorar algo que carece das mais básicas estruturas.
O Brasil e os Estados Unidos nunca estiveram tão próximos e, pode-se dizer, tão amigáveis, apesar das recentes desavenças devido à crise. Entretanto, deve ser levado em conta a diferença econômica, cultural e de desenvolvimento presente entre os dois países, e que os EUA, por serem a maior potência mundial, têm capacidade de se recuperar dos danos que a COVID-19 venha deixar na vida das pessoas, de maneira muito mais rápida e eficiente. Enquanto isso, ambos países experimentam a perda: de momentos, de planos, de empregos, de entes queridos. Porém, quanto a este último, não há investimento que possa recuperar.
Palavra-chave: Brasil; Estados Unidos, Coronavírus
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