Culinária, costumes e tradições aproximam o país do Brasil; descubra mais sobre essa nação do continente asiático repleta de curiosidades
Por: Ana Beatriz Motta, Bruna Belote, Gabriela Ramos, Izabel Galvanini, Júlia Valverde e Victória Borges
Sede das Olimpíadas deste ano, o Japão é conhecido por ser a terceira maior economia do mundo, ficando apenas atrás da China e Estados Unidos, além de ter a melhor distribuição de renda, de acordo com o Global Wealth Report de 2019. Por outro lado, em eventos como esse, que reúne pessoas do mundo inteiro, o país também é reconhecido pelas singularidades culturais. Valores como justiça, coragem, compaixão e benevolência, respeito e cortesia, honestidade, honra e lealdade estão muito presentes na essência das tradições japonesas e são a base do “yamato damashii" (espírito japonês).
Na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, por exemplo, os torcedores japoneses chamaram a atenção da imprensa ao recolherem lixo das arquibancadas. O que pode ser incomum para os brasileiros, essa prática é ensinada no Japão desde o ensino básico, onde os alunos e professores são responsáveis pela limpeza da escola. Além disso, as ruas possuem poucas latas de lixo espalhadas. É costume guardar o papel no bolso e jogar no lixo de sua casa, e mesmo assim, não se vê lixo no chão.
A disciplina também está muito presente no ‘jeitinho’ japonês de ser, e se aplica em todos os setores da vida: escolar, profissional, esportivo, relacionamentos. Os japoneses são muito perfeccionistas e são gratos por tudo (Kansha), e optam sempre por evitar o desperdício, seja de comida, pertences ou tempo.
Mas um dos princípios que possui maior influência na cultura japonesa é a hierarquia, que vai muito além de obedecer o que o chefe diz. Tem total relação com o respeito aos mais velhos (forma de agir, conversar) e é possível ver como isso é ensinado para as crianças nas escolas: os senpais (veteranos) são responsáveis por receber e ensinar os kouhais (calouros) sobre as regras, condutas e funcionamento da escola.
Para Lucas Yamauchi, 23 anos, japonês da 3º geração (Sansei) formado em gastronomia, morou no Brasil e agora retornou ao país de origem, uma das coisas que mais o impactou quando chegou ao Japão foi a hierarquia. “A pessoa no topo da hierarquia é quase como um rei, dependendo do lugar aqui. Ela é intocável, você tem que fazer o chá e levar para ela”, relata Lucas.
Ele contou ainda como funciona essa estrutura hierárquica nos locais de trabalho. “A hierarquia na cozinha, pelo menos onde trabalhei, é muito forte, bem predominante. Mesmo tendo consciência e um certo costume, tive dificuldade em lidar com ela. Inclusive, onde eu trabalhei eu sempre era o Kouhai de lá, independente de onde eu passei, ainda era o mais novo. O psicológico precisa ser muito forte, porque as pessoas que estão no topo te humilham. E não é por maldade, mas é cultural.”
É comum que muitos nativos considerem os costumes japoneses exóticos e distintos por pertencerem apenas ao país. Como o ato de curvar as costas no ângulo de 90º ao cumprimentar alguém e abaixar a cabeça (especialmente para pessoas mais velhas), demonstrando respeito.
Em qualquer lugar do mundo
Rebecca Haruka Yoshida Inazumi, estudante de matemática e nativa do Japão, preserva os costumes, mesmo morando no Brasil há 20 anos com a família. “Posso não estar em um ambiente japonês ou a pessoa não ser japonesa, ainda sim acabo me curvando. É automático. A gente também toma banho de ofurô, às vezes comemos de hashi. Uso máscara quando estou doente, porque é desconfortável pensar na ideia de que passaria para alguém. Não falo ao telefone em transporte público para não incomodar. Não usamos o sapato que andamos na rua dentro de casa e vários outros”.
De acordo com o coordenador geral da Academia Nipo Brasileira de Estudos sobre História e Cultura Japonesa, Douglas Magalhães Almeida, diversos costumes japoneses estão relacionados ao xintoísmo, antiga religião politeísta do Japão, cujo objetivo é estabelecer a harmonia entre o homem e a natureza. “Essa filosofia de vida trabalha com a pureza e impureza. E uma das coisas consideradas pura é a ideia de limpo, purificação, ofurô, lavar as mãos etc”.
Um dos hábitos pouco conhecido pelos estrangeiros que visitam o país é a atitude de não aceitar gorjeta em restaurantes, hotéis ou qualquer serviço que tenha sido prestado. Para eles, a gorjeta é considerada insulto, já que é vista como um sinal de superioridade ao próximo.
Enquanto trabalhava no restaurante La Maison de la Nature GOH, no Japão, Lucas presenciou diversas situações em que houve estranhamento em relação à gorjeta."Haviam muitos estrangeiros que não sabiam desse costume, e já aconteceu de deixarem um valor em cima da mesa. Os funcionários estranharam, mas nem todos se sentem ofendidos, depende muito da região. As pessoas da capital têm a mente mais aberta por ter o maior contato com o estrangeiro”.
Além do xintoísmo, o povo japonês sustenta a boa relação com o próximo. O tatemae, por exemplo, é a ideia de evitar conflitos. O ato de “apontar o dedo na cara” e falar que a pessoa está errada está longe de ser algo comum no país. Se precisam esclarecer algo, serão os mais cautelosos possíveis.
Esse ato de empatia pode ser simbolizado pelo fato de usarem a máscara quando estão doentes, comportamento que não é exclusivo da pandemia. “Existe uma noção deles de que você é responsável pela sua saúde, e se você passa a gripe para alguém existe aquele sentimento de culpa. Não só passar, mas também pegar”, comenta o professor.
Dentre a gama de tradições, a troca de presentes também é frequente. Ao contrário de muitos países ocidentais, os japoneses praticam esse ato sem ter necessariamente uma data comemorativa. No Japão, entregar presente simboliza gratidão e agradecimento.
Acredite ou não, ao se mudar para uma casa nova é comum entregar uma caixa de sabão em pó para os vizinhos. Isso acontece porque durante a mudança ocorre a reforma na casa, até mesmo básica, resultando na poeira excessiva que é levada pelo vento até o quintal do vizinho do lado, podendo acabar sujando a roupa pendurada no varal. Com isso, o novo morador do bairro entrega a caixa no início e final da obra. É uma forma de conhecer o vizinho e a primeira oportunidade de apresentar-se. “Yoroshiku onegaishimasu” (espero ter boas relações com você), expressão que também pode ser escutada ao entrar em lojas e restaurantes, indicando que a pessoa é bem-vinda no local.
Na linguagem coloquial da língua japonesa, é muito comum fazer uso de gírias, principalmente as que contém onomatopéias. Em áudio, Rebecca conta quais são as expressões informais mais utilizadas no país.
Feriados e Festividades no país
Cada país possui seu próprio modelo de estipular feriados. A perspectiva altera de nação para nação, enquanto alguns são voltados para elementos religiosos, outros relacionam-se com mitologia e simbolismo. O Japão totaliza 16 feriados nacionais. Ocupando o ranking de 2º país com maior número de feriados. Além desses, possui 3 feriados prolongados ao longo do ano, com duração de 3 a 10 dias. São eles: Golden Week (semana dourada), Natsuyasumi (férias de verão) e Oshogatsu (ano novo).
Golden Week é a semana que engloba quatro feriados - Dia da Era Showa, Dia da Constituição do Japão, Dia do Verde e o Dia das Crianças -. É a época mais esperada e movimentada do ano pois, no geral, os trabalhadores não recebem muitos dias de férias pagas e poucos têm o direito de descansar. Muitas empresas fecham durante esse período. Ocorre no final de abril e início de maio.
Já o Natsuyasumi acontece por volta da metade do mês de julho e prolonga-se até o final do mês de agosto. É o feriado mais longo que o país tem. Nada de roupa branca, pular onda e tomar champagne. O Ano Novo japonês (Oshogatsu) é diferente do ocidental. Repleto de rituais e confraternização com as famílias. É a comemoração mais importante do calendário. Além da passagem do ano, a festa continua por mais três dias ou até uma semana.
Assim como os feriados, as festividades são igualmente divergentes. “Nós, brasileiros, temos influência muito forte de elementos cristão que constroem nossos feriados e festivais, e não valem para o oriente. Festividades católicas como a festa junina, natal, não é um costume comum para eles. Eles possuem o próprio santuário com as festividades que são chamadas de matsuris. É um evento social e religioso, geralmente relacionado com purificação e busca de melhora para o futuro”, comenta Douglas, coordenador geral da Academia Nipo Brasileira de Estudos sobre História e Cultura Japonesa
Outro exemplo de festividade única é o Dia do Imperador. “Quando a gente fala de relação com imperador, ele não comanda a nação japonesa diretamente, e de acordo com a instituição, ele é um representante da nação e do seu povo, e por isso, o aniversário do imperador é considerado o aniversário da nação.” continua o professor.
Adaptação
A adaptação em outro país nunca é fácil, ainda mais para um lugar com uma cultura totalmente diferente da sua. Aprender uma nova língua e costumes geralmente são as primeiras partes da adequação. O Brasil é conhecido pelo povo caloroso, já os japoneses levam fama de serem mais retraídos e tímidos, o que pode causar um choque no início.
"No começo eu não conseguia fazer amigos, principalmente porque eu era criança e não falava português. Eu era mais fechada e não conseguia me acostumar com as crianças toda hora puxando pra brincar. Depois foi mais fácil para eu me abrir, mas sofri bullying", relata Rebecca.
A estudante de matemática também contou como aprendeu português. “Meus pais me mandaram para a pré-escola mais cedo, já com o intuito de aprender a língua, passei 3 anos lá. Me ajudou bastante a entender como funciona o Brasil, o jeito”.
Programas de TV, alimentos típicos, esportes, eventos, hoje em dia você encontra de tudo da cultura japonesa no Brasil, auxiliando as pessoas que vêm de fora a se adaptarem melhor, realidade bem diferente do início da imigração japonesa para o Brasil.
“O que mais usamos são os produtos, e agora tem muitos produtos japoneses no mercado brasileiro. Pensando na parte de comida, em condimento e tempero, se não existisse outros meios de onde comprar, passaríamos por uma boa dificuldade aqui em casa. Festas e eventos ajudam na divulgação da cultura japonesa, enquanto pra gente acaba sendo um refúgio. A Liberdade, por exemplo, é um meio de disseminar a cultura, e eu já sou japonesa, então tecnicamente não preciso disso, já conheço, pra mim serve como nostalgia’’, conta Rebecca, nativa do Japão que mora no Brasil.
Por outro lado, Lucas, japonês da 3° geração que retornou ao Japão, mantém alguns costumes brasileiros no país e se adaptou bem. ‘’Em questão de hábitos alimentares eu ainda preservo, como feijão e pastel. Compro algumas comidas brasileiras que têm em mercados aqui. Mas desde que vim pra cá muita coisa foi incorporada. Como tirar o sapato para entrar em casa. Hoje em dia se eu ver alguém de sapato dentro de casa vou achar muito estranho’’.
Alimentação e gastronomia
A culinária japonesa é rica em diversidade e singularidade, muitas vezes está no top 1 no cardápio do brasileiro. Sua base principal é arroz branco acompanhado de peixe, carne ou até verduras.
Alguns dos temperos mais usados são, o shoyu (molho de soja), wasabi (raiz forte), o karashi (mostarda), mirin e saquê (bebida alcoólica a base de arroz). De acordo com Lucas, o Wadashi (caldo de peixe) e temperos derivados de fermentado também não faltam na comida japonesa, o missô (pasta de soja fermentada) é um exemplo. “Culinária do dia a dia, esses itens terão na despensa de um morador no Japão . Da mesma forma que no Brasil vai ter alho e cebola.”
Lucas ainda comentou que a comida japonesa é mais saudável e leve. Além disso, a expectativa de vida no Japão é mais alta do que em outros países. “A gastronomia francesa por exemplo, no geral, é muita rica em gordura, além de usarem muito creme de leite e manteiga. Agora o sabor da tradicional japonesa tem origem no Umami, o quinto sabor”.
Muitos pratos conhecidos na culinária japonesa são: sushi, bolinho de arroz enrolado com uma alga, e podendo ter variedade no recheio. Sashimi, tiras finas de peixe cru, normalmente de salmão ou atum. E o gohan, arroz cozido na água japonesa. A refeição é consumida em uma tigela junto de outras opções, como o ramen, feito com um tipo de macarrão chinês com caldo à base de ossos de porco, peixe ou frango e temperados com base tarê, dando sabor ao caldo base.
Rebeca Haruka diz que apesar da família ser de origem japonesa, eles misturam com algumas comidas típicas do Brasil. “A gente mescla bastante as comidas japonesas e brasileiras. Até então, quando fazemos uma refeição inteira de um só a gente comenta “olha, hoje está tudo japonês”, ou “tudo brasileiro”. Grande parte das vezes é misto”. Um prato que a Rebeca gosta é arroz, feijão, farofa e frango teriyaki.
"Eu amo tanto farofa"
A japonesa abrasileirada conta que o amor pelo alimento veio através de uma amiga de sua mãe, que é mineira e as levava ao Festival dos Povos, em São Bernardo do Campo. Nesse festival diversas barracas de diferentes povos se misturavam. Nesse caso, a família de Rebeca tinha uma barraca do Japão, enquanto a amiga de sua mãe tinha uma com comidas mineiras. No caso da família de Haruka, os temperos favoritos são: missô (pasta feita de soja), shoyu e hondashi. “Sem esses três a gente passaria fome. Brincadeira, mas não seria a mesma coisa.”
De acordo com Lucas, algumas comidas não podem faltar no cardápio japonês. É o caso do arroz acompanhado do missoshiro (sopa). “Não é sempre que tem no Brasil. Aqui, mesmo no calor tem sopa. Não generalizando, depende da cultura de cada família, mas a princípio é assim”. E ainda comenta sobre o chá “ É muito presente, o pessoal bebe muito chá (Mugicha). Vários restaurantes deixam em cima da mesa e você pode se servir à vontade”. Fala também sobre o ramen “Tem muita loja de ramen por aqui, qualquer lugar que for. Mesmo no calor o pessoal consome. É costume né”, finaliza.
Mesmo que o gohan acompanhado de alguma proteína tome conta da mesa, o povo japonês consome uma boa quantidade de shokupan, pão com formato mais grosso e macio. E de acordo com o gosto pessoal de Lucas, é mais macio que o pão no Brasil.
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